quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

cartas


carta ao monstro zed

você sabe ler, zed?
seus olhos... são de verdade?
não foi a primeira vez, zed, que um monstro me usou. aliás, já fui antes usada por monstros, por homens, mulheres, instituições, e até mesmo pelas minhas próprias vaidades, meus medos, meus monstros.
mas de certa forma, sempre houve alguma espécie de perdão, de auto-perdão, essa luz cristalina que brota dentro das pessoas que tem órgãos.
desta vez, não houve ainda palavra na sua boca, nem na boca de ninguém que assistiu à sua monstruosidade. percebi que deus coloca palavras na minha boca, mas não consegue colocar na sua.
eu sinto até que muitas vezes esse deus pode ter querido que eu sofresse, pra renascer e descobrir meus próprios monstros e minhas próprias luzes.
mas você deve ser um monstro de outro mundo... de um mundo que não consigo mais acessar à gerações, onde talvez os deuses sejam mais cruéis e permitam que se use uma pessoa até não haver mais qualquer indício de luz. acredito que os monstros desse mundo sejam tão falsos, vazios, traiçoeiros, que a gente não enxerga a pedra escura e inerte que eles têm por dentro, a gente vê neles só um espelho, de aparência cristalina e luminosa, e acredita que está olhando quem sabe pro próprio deus, pra alguém igual a gente, pra alguma coisa de saúde, de amor, de verdade. mas acho que no seu mundo não existe verdade, zed.
e o que se expôs, em nosso triste encontro, talvez tenha sido a inverdade do meu próprio deus, do meu próprio mundo, a inverdade dos meus olhos, minhas fraquezas, meu vazio. ou talvez uma verdade dolorida dessas coisas todas, uma verdade que não consegui suportar, a verdade de que monstros como você sempre vão andar por aí, sugando quem quer que os encontre e se encante por suas mentiras.
você matou minha fé. você me matou.
eu te disse que você estava me matando, na esperança de que talvez você interrompesse o que estava fazendo, mas você fez ouvidos moucos, você me devorou até o final.
eu vi que você pagou de louco, zed, eu quis contar pra todo mundo.
teve quem também tenha visto, e inclusive me alertado, mas muitos não viram, igualmente devorados pelas suas mentiras, muitos me disseram “é assim que os monstros são”... e hoje já não sei onde estão essas pessoas, porque perdi o contato de todas, parei de vê-las, e elas pararam de me ver também.
a verdade, onde está? comigo, não. ela certamente anda por aí, e de vez em quando se encontra comigo, e eu desejei que alguma vez ela também se encontrasse contigo, mas hoje entendo que ela não adentra monstros do seu mundo, que talvez você tivesse que nascer de novo muitas vezes pra quem sabe ter olhos pra enxerga-la, ou ouvidos pra escuta-la. quem sabe um dia você possa mesmo dize-la, sê-la, mas pelo que percebo, esse dia talvez ainda esteja longe... ou talvez um dia desses... você se veja num outro mundo, ou encontre outro monstro, que te faça morrer e renascer muitas vezes de repente, e então seus olhos sejam refeitos de cristal, de água, de qualquer matéria viva, mais aberta e transparente que essa superfície inerte, fria, maldosa que você expõe quando abre as pálpebras.
eu sei que se você morrer e renascer muitas vezes, vai acabar nascendo com uma luz própria, porque isso é quase kardecista, budista, hinduísta, mas acredito que é assim que as coisas acontecem.
as verdades são muitas, mas todas são uma só, para monstros, deuses e pessoas, no meu mundo e no seu, agora e sempre.
é por isso que você não diz mais nada desde que sua mentira se revelou: porque não tem verdade pra dizer, e nem deus que diga por você.
quando me pergunto que tipo de monstro você é, percebo que encontrei o monstro mais perigoso pra um ser humano: o monstro da mentira e do desejo, o monstro que desarma nosso corpo, que expõe nossos olhos e coração, que me fez de repente querer tudo, e que aos poucos me tirou tudo. você é um monstro que conseguiu me fazer não querer mais nada, a não ser morrer e nascer de novo.
quero que renasça minha luz, zed. quero que o deus que me habita não espere nada do seu.
quero esquecer você pra sempre, e não esperar que você consiga abrir a boca e dizer alguma coisa que não seja mentira, abrir os olhos de verdade.
quero mais ainda que em mim brote a luz do perdão. quero perdoar a mim mesma, a você, esse monstro que me feriu por covardia. quero perdoar a deus.
quero a luz da liberdade.
por favor suma dos meus pesadelos, por favor vá embora pra quem sabe morrer e renascer num mundo menos monstruoso que o seu.

inês


carta a deus

querido deus, eu não sei rezar. já tentei tantas vezes, já acendi vela, já fumei maconha, já cortei a maconha, já obedeci, já meditei, já dancei com índios, já chorei cantando samba, já repeti palavras, já saudei o sol, as folhas, o vento, as águas, a montanha, tudo. mas não sei se alguém já me escutou de verdade. não sei se já obtive qualquer resposta, positiva ou negativa. não sei se estive apenas tentando conversar comigo mesma.
acho que me iludi ao sentir as ondas batendo, o vento, o fogo, o amor, os sons e o silêncio do mundo, e achar que estava entendendo tudo.
porque... o que havia dentro de mim secou, e já não sei como fazer pra que alguma parte brote de novo. há algo que nasça das cinzas? nem minha mãe Iracema me contou, ainda.
perdi meu amor, minha paz, minha coragem, perdi minha casa, meus irmãos – terei perdido todos? já terei tido algum?
porque isso está acontecendo justo comigo, que sempre me senti abençoada, viva? porque eu, meu pai? me abandonastes ?
estou triste, mas muito mais do que triste, estou morta.
eu suplico, preciso que alguma coisa nasça, aqui dentro.

(nem que seja só minha fé)

inês, morta.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

a deuses

viajo porque sofro, e, porque viajo, sofro.
viajo pra não esquecer
(e viajo pra não lembrar).
viajo em nuvens, cidades, países,
viajo em ondas.
viajo em pássaros, em pernas, tempeiros,
e a cada despedida carrego todas as outras despedidas:
as nervosas, as tristes, as desesperadas,
as desejosas, as pra-nunca-mais.
carrego a despedida dos parceiros do rio, correndo qual meninos
ao lado do ônibus
explodindo adeuses que alimentaram as janelas,
atravessaram os silêncios seguintes, as paisagens.
carrego a despedida dos índios, o choro daquelas mulheres,
as lágrimas da minha tia, os eu-te-amos engasgados,
a troca de bênçãos e colares, carrego todos comigo
(carrego agora este parto bruto, nesta manhã comum).
carrego, além de tudo, a falta
falta que sinto dos mares, das casas, das chapadas.
e um peso-doído de abraços, planos, sons-risadas (qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar).
não viajo sem bagagem.
viajar é carregar saudades e olhares, coisas do céu.
viajar é partir, é querer que o tempo corra.
viajar é sofrer o correr desabalado do tempo
(bons momentos, passem lentos).

- viajo, e sei que o tempo voa assim como eu. parto, e a vida revela-se rara. sofro, e desejo partir ainda mais -
porque viajar é (se)(re)partir, e partir é sofrer, é um tipo de explodir, um jeito de ser inteiro
- é sofrer encontros, que já são em si violentas sementes de ausência. a violência do tudo e do nada, de apenas ser.

inês, numa manhã de adeus na bahia.

classificados

procuro um homem que às vezes me cale.
que não tente bancar o esperto, e que, ao me abandonar, me avise.
procuro um homem (que coma minha comida, ou cozinhe comigo, ou me faça um drink, ou leia um poema, ou que conheça boas músicas).
procuro um homem que vá comigo à praia, que saiba o que é solidão, e que goste de plantas, ou de gatos, ou de quadros, ou montanhas, ou de poemas, de filmes, cidades, de histórias sobrenaturais.

procuro um homem que me procure, um homem que às vezes me escute.
e que me faça rir, ou que ria comigo, ou que ria de mim.

procuro um homem que me perdoe, e que peça meu perdão.

inês.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

jeito: mente

seduz
mente
usa
mente
troca
silêncio.

canalhice
silêncio.

é só seu jeito, tenho mais é que entender que as pessoas são diferentes...

inês, cujo coração vai explodir, literalmente.
(e você, cínico, preocupado com meu cigarro)

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

mortalha do amor

um dia nasce, assim... tão bonito...
e sem saber tá ferindo a gente!
não suporto mais me fazer mal, não suporto mais me afastar, não suporto mais não entender!
no entanto suporto...
como pode esse tal coração doer de verdade?
como pode de repente um tanto de soluço engasgado, um dia inteiro e depois uma noite inteira e depois mais um dia inteiro - dourado, primavera - com esse aperto terrível no peito?
como pode essa tristeza? num dia desse, como pode?
o tempo passa, e eu continuo pior. eu acho que eu melhorei, mas continuo pior. é tudo triste, embora seja mesmo lindo como eu sempre soube que era.
eu sei que tá errado, mas nada agora faz sentido.

inês, ferida de mortal tristeza.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

vou

eu já me sentia escorrendo aos poucos não era de hoje, e pra lugares que sei menos... mais distantes do que a terra do sol e dos cheiros.
pra lugares nada familiares (olhares novos que hão de nascer em mim)

agora parece mesmo que vou.
(parece mesmo que vôo.)

vai saber. mas já olho meu redores com adeuses secretos... e pego-me desapegando-me de tudo o que vai passar. e já doi. já é tarde demais, e o momento é agora. não entendo (mas vôo).

(daquela casa que não sei de que modo me quer nem porque me recebe: só o amor aos santos me fará passar por isso mais algumas vezes. olhar sem nojo a face da maldade e me fortalecer, até encontrar um lugar com alguma paz: o perdão da distância.)

e das coisas que importam - que não encontram-se vivas em cada lugar e instante do mundo... vó e vô me esperem, que ainda não é hora de virar tudo saudade. pai, mãe, não posso pedir que me esperem... que ainda não é hora de virar tudo saudade... mas vou!

inês.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

ser

ouço um vento, aqui comigo. vento interno, violento, que foge pelos meus poros, pela minha boca, pelos meus olhos, e me carrega praquela distante paz diante do revolto encontro entre o mar e o céu, encontro azul entre o profundo e o infinito, o cristalino e o escondido, que me alenta e me transforma no grão de areia que sou. lá, minhas pretensões, meus juízos, minhas desilusões, se transformam em vozes miúdas, em impotentes dores surdas de quereres triviais: trago em mim um algo a mais, que sossega minha fuga inglória, que me traz de volta pra dentro, pra explodir em ondas de vento. e quem sabe ainda haja tempo pras ligeiras alegrias, pras certezas fugidias brincarem no meu ori. eu sei que estou aqui, mas minha mente está lá longe, buscando uma paz que se esconde nos mais doces manguezais. sou um rio que corre pro mar, uma estrela ensaiando um luar, mas caindo pra sempre num nada, pra compor tudo o mais que existe: eu sei, a existência é triste, mas a eternidade é linda, é como esta noite, que finda, numa explosão de pássaros-tons. e é pra isso que existe o samba, pra lembrar que é o tempo quem manda nos caminhos do nosso ser. a poesia é tudo o que resta - pra quem chora, sorri ou contesta - e a sábia cadência do mundo, a batida de cada momento, transformam e vida em verso, convertem desejos em vento, invertem todo o universo!

inês.

longe

cheia lua, lá no alto,
toma meu corpo de assalto
e me põe a caminhar

viajo, num mar de saudades
sem saber o quanto é tarde
pra buscar um porto, e ficar!

estou só, e no relento,
abraçada pelo vento
pelos beijos do luar

lua grande, a senhora
sabe bem o quanto demora
minha espera pelo mar

me rodeiam corpos estranhos
e um desejo sem tamanho
por um cheiro familiar

(aquele, de algas e sal
de um além tão colossal
de um alento libertador...)

lua cheia, estás comigo,
como o céu, que é meu amigo,
como as ondas, meu amor!

inês, que escoa.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

samba em cores

não mais que de repente
sua estrela me ilumina
a noite desatina;
você só me traz paz.
minuto precioso,
um encontro neste mundo:
seu ser é um segundo
(a mais...)
 
tão longe brilham astros
tão raros nossos abraços
(iluminosos passos
com sua voz)

há força entre nós
(nascida em nossos avós):
sagrada brincadeira
(de estrelas da vida inteira)
descuido atencioso
que escapa, precioso
entre palavras e fé

poetas saberão
o que essas horas são
trocadas de repente
aproximando a gente

e muitos são os olhos
e tantas são as mãos
que guiam nossos sonhos
em oração!

sabemos nós o quê?
vivemos nós de quê?
(da força das sementes
em tudo o que há na gente:
de chuva, luz, e terra
querer!)

se dói não ter saudade,
na vida nunca é tarde
unir-se em homenagem
a ser, e só!

se o verde é um broto do preto
(segredo de ancestrais),
meu amarelo é ouro
é sangue dos mortais...
abraça-nos o branco
que entrega, que irradia
pra fora, a luz do dia,
pros outros, alegria,
pros mudos, poesia,
pros loucos, melodia...
e em nós não retém nada:
ilumina nossa estrada
(pra além dos quereres normais)
pra outros carnavais!

beijos da inês.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

não volte

você disse que viria (e disse que queria), e então comecei a preparar meu melhor tempero. escolhi meu vestido imaginando como seria visto, tocado, talvez até tirado pelo senhor. limpei as janelas, isso no primeiro dia. mas você não veio, e eu me decepcionei, e comi sozinha todo o jantar.
no dia seguinte o mesmo... outro vestido, outro tempero... um sinal de desejo, e então escureceu e veio o vazio... não entendi o que havia se passado.
depois, por vários dias, a mesma espera, outros temperos, outros vestidos, outros discos, os cachorros latindo pra qualquer um que se aproximasse da porta, como se também esperançosos pelo seu retorno. comecei a entender, comecei a chorar. escrevi. perguntei se era abandono, mas o senhor disse que não, que era só seu jeito.
mas tudo, por melhor que seja, envelhece, resseca, murcha, foge.
era só dizer que não se dava bem com o tempero. era só dizer que não queria saber de vestido, de música, de conversa, de nada que eu tinha pra oferecer, a não ser aquela pequena parte do meu corpo da qual o senhor sentiu falta quando não mais pôde desfrutar.
eu senti que não merecia mais esperar pelo senhor, nem guardar meu carinho, minha atenção, meus cuidados, meu tempero, meu tempo. mas chorei ainda muito até entender que não havia nada de errado comigo, chorei às vezes com desespero, mas quase sempre com uma tristeza tão doída, que por dias as janelas sequer foram abertas, sequer coloquei vestido algum, e comi e bebi sem vontade, entre soluços e silêncio.
o senhor já está na idade de saber que pode destruir o coração de alguém com tanto descuidado. por favor, não volte.

inês.

la cúmbia

um amor antigo - tão velho, amor!
nós dois, naquela árvore (nós dois na rua da árvore, caminhando à noite pela cidade da árvore, tão quase-na-árvore que era como se estivéssemos no seu tronco, nos galhos, entre as folhas lá no alto)

o que nos terá acontecido, que pra tão longe fomos?
(é o curso mesmo do mundo, o tempo-rei-de-tudo, o infinito...)
(é você que pensa demais, inês, é você que sente demais!)

hoje, compreendo meu privilégio (afora o malbendito mel que não me serve mais) de caminhar pelas ruas de qualquer cidade, à qualquer hora, só... pois já partilhamos nossas regalias numa noite iluminada na cidade-das-pedras-reluzentes-e-da-árvore. teríamos imaginado nosso segredo naquela noite?
não por acaso fui conhecer a cúmbia tão longe do seu atento saber (saber trazido de tão longe, tão com-amor cultivado, preparado pra encontrar miudamente os tambores, recife, a nigéria, qualquer parte da amazônia): pra mais tarde descobrir com esse delicioso espanto que ainda estamos aqui, e que já ouvimos coisas tão parecidas de partes dispersas de uma mesma sagrada-força.
o que terá sido? afora sopros de vida, luzes brotadas do mais interno-sagrado-fêmeo, pássaros cantando, pássaros voando como um canto da nossa terra, bastava escutar o vento atravessando árvores ocas, o debaixo-do-barro-do-chão.
(eu, que confio no dono das ruas e da noite, e no dono dos meus caminhos como se deles todos fosse filha)
(você, que tem fé e vem de longe, que tem olhos com histórias, que anda só, como um dos nossos muitos gêmeos perdidos-encontrados nas noites-cidades do mundo)
sempre estivemos por aqui, partes de uma coisa só, quase poeira de estrelas (e de folhas, de pássaros, conchas, instrumentos, restos de seres, pérolas, começos, barro.)

inês, na noite de algumas despedidas.

sábado, 17 de agosto de 2013

meu coração acelera, mas bate pesado como um relógio-da-sala: meu sono, meu riso, meu choro, minha fome, meus sonhos são inquietos, dispersos, e ao mesmo tempo pungentes, como se um pão crescesse no meio da minha garganta. é quase morrer, esse viver tendo sustos, ímpetos de uma tristeza sem fim aliviada por pequenos suspiros de uma ansiedade nervosa, fugitiva.
não dói só a dor do impedimento, nem tampouco a dor do arrependimento. dói, lá no fundo, a velha dor conhecida de sempre, a dor de se estar profundamente só, de não se reconhecer em nenhum olhar, em nenhuma voz de ninguém, porque tudo o que existe de fato, fora o mundo todo lá fora, é esse mundo todo aqui dentro, do qual sou senhora e não sou, e que já conheço bem, mas no qual ainda me perco tanto.
a certeza de que somos todos bons trava luta constante com a certeza de que todos somos maus, e deixar que outra pessoa, por querer ou sem querer, possa me dar um chão pra depois toma-lo tão bruscamente e sem olhos-nos-olhos, me atira como um soco cósmico de volta ao início de uma caminhada que terei que fazer novamente, só que cada vez com um peso mais insustentável.
há aqueles que se preocupam visivelmente com minha coluna, mas sequer imaginam que o que ainda vai me matar é este coração, cujas batidas chego a escutar empurrando meu peito quando estou tentando dormir, principalmente quando não há ninguém comigo além de mim, sendo que tampouco haverá na manhã seguinte, e sendo que talvez nunca tenha havido, de fato.

inês.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

re-partindo

neste dia e nesta noite silenciosos, me pareceu cristalino que não há como reconfortar ninguém sem ter realmente sofrido até perderem-se quase todas as esperanças. conheço uma solidão profunda que me acompanhará pra sempre, e ao mesmo tempo sei que uma parte de mim e do mundo sempre escutará a minha dor. um dia vou partir e nunca mais voltar, mas enquanto isso parto e reparto minha história através do meu trabalho e através da minha fé. é verdade que nunca se retorna ao mesmo lugar: não há passo pra trás, mas apenas recomeços. as saudades são verdadeiras joias doídas e maravilhosas que expandem meu coração e me fazem ver a cada dia mais longe, especialmente em dias e noites de silêncio como estes.

inês, que já se foi sem perceber.

domingo, 28 de julho de 2013

dores

não há retorno para aquela ingênua vida de desejos: quase tudo já morreu e o que restou foi um veneno amargo e o sufoco da solidão.
não creio que eu venha a ter quem cuide de mim como sempre cuidei de quem gosto, e nem eu mesma consigo amar meu próprio corpo, que envelhece acompanhando meus sonhos e tudo aquilo que nunca consegui ser.
penso em morrer, em ir embora pras ilhas, em fugir ou morrer, porque não tenho ninguém com quem trocar sinceros e verdadeiros cuidados, não moro perto do mar, e não vejo sentido em viver sem sentir a alegria que sempre carreguei quando ainda acreditava em alguma alegria de viver.
os alejados, os miseráveis, os desvalidos, os loucos, penso sempre neles... mas não consigo acreditar que me faltem desgraças pra que eu valorize a vida, porque afinal sempre achei tudo tão precioso e divino e lindo, e sempre tive tanta fé na vida e no mundo... que se agora tudo está tão inesperadamente sombrio... é porque talvez seja hora mesmo de desistir, pra mim.

inês.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

vi

saudade
como dói fundo
fundo
fundo
tão fundo e tão doído!

como posso, em um dia, explodir de chorar e explodir em riso
riso com lágrimas e a boca cheia
olhos
maiores que a cara
luzes e energia sem fim
sede, amor, suor, desejo, açúcar, saudade!

como podem ter cabido tantos homens tão enormes, tantos deuses fortes com suas paixões transatlânticas
tantas falas, de lugares tão longe
quanta saudade eles me trazem, assim logo tão cedo!

quanta saudade, assim, de tudo - com quase tudo tão recente e perto e vivo
e tanto riso!
como dói fundo, e como dói tudo!

não consigo dormir, porque dói, e porque, nem acredito, mas é como se tivesse muito pra rir e pra chorar ainda hoje.

inês, doce, na sua cidade preferida da infância.

domingo, 16 de junho de 2013

parto III

quero ir
embora
queira no fundo
viver pra sempre
aqui e lá

lá longe, onde já vi que é diferente, onde há outro sotaque, outras palavras, outras formas de viver e de morrer, onde
há mar
é tudo.

inês.

sábado, 8 de junho de 2013

parto II

poderia escrever os versos mais tristes esta noite
sobre alguém que tenha querido tanto
mas não sou poeta, e quero apenas partir.

sinto-me incapaz de aprender, na busca teimosa que empreendo por um abutre que me bique o fígado.
entrego-me ao desejo de cem mil homens, e é como se eu nunca houvesse sentido nada.
dorme meu corpo (a última canção, desesperada).
apenas espero: apenas partir.

sinto-me nada, como se nada nunca houvesse sentido
e ao me buscar, percebo que já não estou: já parti-me em pedaços.
a-risquei-me nos muros, nua, sem versos, palavrassoltasgritos.
grito e não me escuto: pois nunca fui poeta.
e tudo o que quis foi partir (o que nunca tive).

inês.

embora

partir
a fruta
da vida
e ir
pra dentro
do mundo

seguir
histórias
sem fim
correr
atrás
de mim

embora
tudo
igual
longe
daqui
inteira.

inês

quarta-feira, 8 de maio de 2013

bênção

as coisas não se separam, elas se desdobram: expandem-se, escondem-se, não faltam, mas sobram. em todo silêncio há sopro, em todo ruído há força. os Outros caçam-se e cantam-se, dançam até que hoje seja ontem, até que esta noite seja (a)manhã. entramos, divíduos, no mundo das luzes (pensando serem sombras o que o olhar externo não vê). abrimos o corpo ao fecharmos os olhos, abrimos os poros cantando com fé. o Outro é o que nos alimenta, o Outro alimentamos. nossa fome é do Tudo, aquele que está em cada. a cada dia, cada passagem permanente. não temos lugar, somos o lugar infinito de todos os tempos, mundos simultâneos de agora e sempre.

inês.

domingo, 5 de maio de 2013

eu nada sei

estou tão longe - mas perto
estou por fora, mas lá dentro
um pássaro voa, e com ele minhas lentidões
meus sabores preferidos
meu passado.

faz frio, e é tão frio o frio
silêncio e som se abraçam.
(finda a noite veloz, e folhas caíram, vigiadas por deuses e amadas por pássaros)

aqui dentro bate um coração quente - afogado entrefolhas (des)conhecidas
quero um amor que já existe, e nem sabe ainda como nascer ou nasceu
(enquanto corremos as árvores nos devoram mesmo).

quero seu desejo ao infinito, ainda que tudo seque no frio e reste apenas aquilo que não seca.

estou aqui ainda, foradentro
engulo o quente enquanto o frio me engole
e o quente engole o frio
e nunca mais estou só.

(quero seu amor aqui dentro)

inês.

terça-feira, 30 de abril de 2013

amizade

na rua senhor dos passos vindos da pedra do sal
no silêncio do comércio, gritam os escritores e caminhantes
(noturnos)

lapas
confidenciam
mistérios de almas errantes, encontros, desejos, suspiros, histórias
(quem somos nós - que vindos de tão longe nos encontramos naquela esquina relembrando o poeta Sinal, salvador?)
amanhecemos, eternamente irmãos!
(mais um sinal no meu caderno de prezas)
e cá de cima eu vejo a noturna cidade, que engole violenta ellas e pais de família
a despeito do que há ali atrás da zona do cais - o mar.
cá de cima, à procura de uma tinta um muro: rio, te amo. rio, te deixo. queridos poetas, não se esqueçam de mim. abaixo a ditadura. vou voltar. minha história é mais bonita que a de robson crusoé.
um resto de tinta, um muro:

inês
(.)

sábado, 27 de abril de 2013

esquinas

cachaça
canela
pernas
tropeços
cheiro de doce cheiro
(na lapa as pessoas caminham e riem e dançam carregando suas todas faces)
sou uma bola de ferro e de repente sou fogo
haja mar.

inês.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

vou

céu
(tão longe o céu)
banho de azul - imenso azul querido
já não o mesmo que conhecemos nos tempos de brincar de deus
(tão novo céu, azul que nunca vi)
presente fresco de manhãs escancaradas
(irrompe esplendoroso ao espreguiçar o dia)

no tempo dos furinhos nas bases dos dedos, não esperava qualquer esquecimento
- como será possível esse escurecer interno? -
de que cada dia valeria a pena - único, única luz, único verde, único azul ou branco, único amor.
já podia voar, e posso ainda.

inês.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

abriu

brotam cá dentro lá fora nas pontas do corpo à espera de um vento
(um último sopro)
até que outros sopros me sequem ao sol!

então serei só:
a poeira e o resto do verde querido
amor (ressequido)
e só isso mesmo: mistura - tão forte!
entregue à sorte conexa ao tudo
sem medo, sem morte ou cantospalavras que irrompem do nada
- só o brotar teimoso
 do sempre.

dançamos ao vento
(à espera de um corte)

que outra beleza se há de querer?
(cá dentro, lá fora, esperar... e só ser?).

inês que viveu e inda não brotou.

segunda-feira, 25 de março de 2013

ciclamato

tu és doce.
áspera eu.
e meus peitos ásperos perdidos no seu computador, reduzidos a lembranças-objetos do seu ego, eu indelicadamente solicito que não sejam mais tocados pelos seus olhos
que hoje
não merecem
tocar
minha
aspereza.

vazias palavras.
estou cansada.

prefiro o duro que o amargo, que nojo do amargo.

inês.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

delicado. ou: para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem.

o anseio de não estar só não serve pra qualquer noite
noite em que me perco, disperso, entre abraços e sambas e perdões
(sambar é um modo lindo de perdoar a dor)
saudade é mato, mesmo
(sambar é um modo lindo de querer)

a cidade é um pátio
e logo o mundo é um pátio
desilusão é mato, mesmo
(vou-me embora pelo mar).

seres lindos parecem me querer
(me querer pra quê?)
e eu me deixo seduzir de leve, por olhares solares
toques, marcas, promessas
a saudade aperta, mas meus olhos estão cegos e preciso respirar.

quero marcação
surdão
e correr, com toda a força e velocidade do corpo
(fazer vento)
e parar e dançar
e rezar
e dançar
e chorar
e cantar os sambas compartilhados em roda com todo o ar dos meus pulmões, até que a alvorada nos expulse da rua e eu tenha que dormir.
dormir só
(só?)
não importa.

salve, cadência sagrada que nos redime e que me alimenta!
quando o mundo acabar, eu estarei no samba.

inês.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

tempo de meteoritos

estrelas cadentes passam nos jornais (abrindo crateras nos Montes Urais), enquanto - diante do que me cega - danço.
estrelas
errantes
(na cadência lenta-veloz do espaço)
o que é o tempo?
(mulher nua no balanço. tempo manso)
sábias senhoras, no compasso dos céus
(brincam conosco em seu carrossel)
nos despertam os sonhos
com seus raios de aurora
estrelas
(menores)
perdidas na areia
banham-se em silêncio
escutam histórias 
(as de amor, trazidas ao mar na doçura do rio)

eu rio.
estrelas da praia beijam meus pés
(estrelas brilhantes acima de nós)
(datas marcadas. tempo feroz)

e quando, enfim, nos vimos a sós
sopravam por frestas
nosso sono quente
vigiando, zelosas, as loucuras da gente.
(amor reprimido. tempo perdido)

silêncio no mundo - e um tambor no meu peito
eu sabia que ali, a cada segundo,
uma estrela nascia (ao passo que outra morria)
e entre cores, brilhos... e um céu infinito,
lá no alto uma história
um encontro (bonito!)
entre filha de estrelas, poeira estelar
(dores dentro)
centelhas
ouro do mar
e príncipe (ou rei?)
(que certezas terei?)
senhor de fogueiras, incêndios contidos...
folião curioso, brincando comigo!

entre cheiros - e toques
a energia dos corpos
acomodou-se entre as formas, e cores e vãos
até explodir
janelas afora, subir para o céu, crescer (e ir embora!)
(um amor desejado. tempo parado)

e foi tudo tão breve, um cometa brilhante
(uma onda do mar, carnaval de amantes)
tive medo de amar
(e seguir adiante)
e, brincante,
entreguei-me inteira ao desejo sem fim
com a bênção dos céus, santos e serafins,
consumi-me entre o brilho
ateei fogo em mim!

inês, morta e nascida e morta na sexta-feira de cinzas.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

filtro dos sonhos

banham meus pés espumas prateadas
(descomunal energia, delicadas lambidas de amor e perdão)

mãe colossal de todas as mães
embebe o ouro milenar
(pura entrega, fosca e reluzente),
embebe meus poros
minha pele aberta, meus cabelos
cobre-me de água e sal
(lava-me os olhos e os sonhos).

traz-me amantes com cheiro de mar
sopra
até brotarem as forças dos meus movimentos.
lava profundo isto que sinto
e canta
cantigas de marinheiros
cantares de avó.

e mergulho com devoção (nos cristais infinitos
ocultos sob as ondas embriagantes - limite entre mundos)

traz-me amantes
pro fundo do mangue
(profundos silêncios,
entregas sutis,
estalos, feitiços, lama, doçura)
berço verde
que sol e lua
abraçam, esquentam, escondem-revelam.

e as ondas de açúcar
mistérios resvalam
(trazendo cantos de esquecimentos doídos
de amores passados
naufrágios
engasgos)


sou casco, estrela, areia, coral
um resto mortal
reluzente
e só.
sou lama, sou água,
sou rio
sou pó.

dona de nada, senhora de tudo
um traço bruto
que o vento e a água constroem por fé.

inês.
(a vida é tão rara!)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

mais fé, por favor

vai-te embora, inês paraíso!
inês perdida, inês-sem-lugar, inês morta, inês inteira
vai-te embora por estas terras, sem medo do invisível
sem medo do insensível, do desamor do mundo
vai-te embora pelos caminhos sagrados
(por tudo o que é mais sagrado).
e fé na entrega, que doar-se é ganhar o mundo inteiro
fé nas mil fendas que o corpo feminino esconde
fé na solidão, na inteireza de todas as dores,
fé no amor dos seus próprios pés, o único amor que há.
vai-te embora, pra onde dança o espírito
pra onde há que ser bruto pra ser delicado
(vai-te embora das delicadezas da conveniência).
e vai com fome, jejua.
vai servir.
pede licença,
pede desculpa
(àqueles que te recebem).
recebe aqueles que te atravessam
(agradece aos que te atravessam com doçura)
desapega,
desilude,
perdoa.
vomita o choro,
salga a carne,
mergulha!
escuta,
fortalece a guarda,
tem fé,
abre os caminhos do corpo e do mundo...
e vai-te embora.

inês.

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