terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Do não pertencimento a nenhum anjo

Querido, quero dizer que não te pertenço, muito porque estás longe, mais ainda porque o olhar, o sorriso e a temperatura morna do corpo de um certo Luiz Gabriel – que é o próprio Luiz Gabriel – me perfuram a ponto de eu não poder ser de ninguém, uma folha tão seca que se algum idiota tentar pegar vai esfarelar.
Como consolo te digo que sou burra, te digo que sou louca, porque sei que sou mesmo, e que jogo fora o reinado com que me coroastes pra me sentir folha seca, com a certeza que só os muito loucos tem das incertezas da vida.
Pertenço a alguns cantos do mundo que sequer me viram quando estive neles, e que só eu sei ou nem mesmo eu sei onde exatamente me doem. Pertenço a sonhos e a músicas que habitam certos lugares que sequer me viram passar, mas que se instalaram corrosivamente nalgum pedaço de mim que não alcanço com as mãos ou os olhos. Pertenço à música que ressoa dentro do meu corpo e que me despedaça com seu vício destrutivo, e pertenço aos pedaços que dançam ao som disto tudo que está perdido aqui dentro. Pertenço ao espectro branco das espumas do mar.
E queria muito, querido, mas não te pertenço.
Talvez mereça, mas não te quero, Caminho-De-Volta-Pra-Casa.
É tarde pra pertencer - talvez também seja cedo - porque agora já me doei inteiramente ao abismo acústico que se abriu em mim. Por ora me condeno a mãos eternamente vazias, e um formigamentozinho de insegurança torce pra que nada nunca me absolva.
Seja feliz como sou, folha seca que sou, louca que sou, perfurada que estou.
Talvez algum dia uma sobrinha não entenda o que os gatos todos da rua entenderão: eu te dizendo agora, como digo ou ouço sempre: por favor vá embora...

Inês.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

rosário

Dona aranha tece teias invisíveis, longas como míticas teias do tempo, e que dançam como as asas peroladas de um Dervishe.
Notas de piano são gotas.
Dona Inês dança no ar, submersa num sonho de luzes e névoas, e as teias todas da vida lambem seu corpo, dançando como longos cabelos de fios de cetim.
Notas de violão são pérolas.
Dona Leopoldina canta com a maciez de uma cera quente só que morna escorrendo numa pele molhada, e a sua voz parece um passarinho voando por outros poemas, e o seu canto parece um conto sobre dias do passado reverenciados por sua mágica dolorida e cintilante.
Notas que cintilam... Notas são lugares.
Dona Inês delira entre gotas e pérolas, luzes e cetim, e a baranguice do seu próprio canto que expolode violentamente perfurando o ar transforma-se numa balada russa, açucarada e tirana.
Nesta noite os anjos virulentos que beijam meu corpo me prendem neste sonho em que notas são asas e melodias pinceladas impetuosamente em telas brancas.
As notas me atravessam como névoa a poros. As cores me atravessam. As pinceladas. Os anjos.
Atravessada por lugares, danço etérea com roupas de Dervishe sobre grandes asas de cetim.
Dona aranha dança...
Leopoldina tece...
Eu canto.

Inês.

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