domingo, 5 de dezembro de 2010

a casa

range a casa, range toda, estrala seu chão de madeira as portas as telhas os quartos as salas (pra que tantas salas tão inabitadas?)
cada canto carregado de poeira e tristeza, tristezas inesquecíveis rondando os cômodos.
(janelas doentes.)
e, mais que tudo, sempre silêncio, um silêncio sofrido por todos mas promovido por todos do café da manhã ao último chá.
esconderijos
nãos e trancas
trancas, nãos e esconderijos.
cachorros expulsos
amarga casa, amarga infância, amarga juventude.
(amargo amor doente e sufocante)

não há conversa (só desastres ecológicos)
(parece que possuídos pelo capeta da Igreja)
(eu também possuída por tantos capetas)

valorize, valorize, valorize
ame.

nunca amei isto aqui
maldição terrível de uma desgraçada família classe média à espera da morte.


inês.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

numa galeria.

talvez eu seja uma ninfa. um bocado às avessas, preguiçosa (ninfas são todos os pecados capitais, talvez inclusive preguiçosas). só não danço, e por motivos e apegos mundanos e mesquinhos que já ficaram no passado. creio que ninfas, por essência, dancem.
basta a existência pra existir o desejo, e o desejo sozinho não cria lei nenhuma. meu deus, quando me dou conta de como esta vida é curta eu penso: vai, inês! sê gauche na vida!
sê ninfa!

basta de separar famílias por causa do sexo -nada contra o sexo- eu já nem consigo mais ser tão livre como antes, já nem tão destrutiva e ilusória. o certo teria sido me casar com o pedro, a gente habitava esse mundo só com amor e folhas de parreira mas que diabo eu querer tanto que as coisas doces se repitam exatamente como foram às vezes! mas já foi... neste momento, uma cria franco-porteña absorve líquidos amnióticos e espera sem culpa por um mundo onde tudo faça sentido (e sabendo disso posso ser mesmo nada mais que uma ninfa paralítica, mas já com todos os traumas físicos superados).

me libertando da vida não eterna, bastam as geléias/jabuticabas interrompidas (luiz gabriel, você deixou de ser você dentro de mim desde um dia desses que pode ter sido qualquer um dos nossos dias), glória a deus nas _______
não li ainda a llansol que ganhei do jovem felino cineasta incompreensível, mas já vi que posso _____ ao folhear!
minha vela arde de um lado só, mas com lume tão intenso!
me cortejar agora seria uma irresponsabilidade independente do que no fundo eu sinta das irresponsabilidades. eu sei que é invisível. é outra coisa.

inês.

domingo, 21 de novembro de 2010

não é que o ar esteja me faltando...

pensei que fosse asma, tive até medo de morrer. o ar entra, mas parece que pára no pescoço. não preenche meu corpo todo, nem mesmo só o pulmão. o ar fica preso fora de mim.

tem dia que é pior, tenho medo.

médico pra dezembro. não quero morrer sufocada. pela sensação acho até que já morri (do coração).

inês.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

boulevard tristesse

noites sem dormir - e falar sobre isso é que nem cutucar amputações em insetos.

o mais evidentemente valente e forte na história esquece o próprio nome.
dum dia pro outro.
murcha.

e não sei se o que tanto nos corrói em silêncio é a saudade eterna que a vida nos obriga a sentir ao longo dos anos, ou a certeza de um fim certamente dolorido, lamentoso e solitário.
a velhice é triste.

inês.

domingo, 5 de setembro de 2010

trechos

finda a era dos grandes amores e dos grandes sonhos (tão leve o que há dentro da terra quanto o que há no céu), há tantas dezenas de perguntas ainda sem repostas - e tantas mil respostas sem sequer uma pergunta que as aquiete - que o mundo assume por fim sua forma

de quadro colorido e constantemente transtornado e constantemente transmutado em outros tantos quadros
(eu tenho mais de 25 anos)

agora sei que o mar pode ser calmo e intranquilo ao mesmo tempo, gosto de descobrir caminhos que sequer existiam quando precisei deles, e gosto de quando descubro velhos caminhos - quase sempre musicais.

que bom que os homens inventaram a psicanálise (mas não acho nada disso necessário).

denso matagal me abraça quando o outro (...)
o não-eu, os limiares mutáveis de mim mesma, minhas transformações, meus silêncios submersos, meus segundos e centésimos e milésimos, o imenso não-meumismo de tudo o que considero meu
o nunca eu
o contrário e oposto revirado de mim (que é infinitamente maior que qualquer coisa que existe, porque tudo é tudo).

inês.

sábado, 3 de julho de 2010

ou então isso

por que diabos tenho tanto que pensar tanto?

(foda-se se continuo escutando aqueles mesmos velhos discos).

eu é que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar, porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais do cume calmo do meu olho qu assenta a sombra sonora de um disco voador.

(ah, como é bom me consumir pela vida).


inês e miles, marijuana, chocolates e saquê.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

inês, aqui.

Preguiçosa
Presunçosa
Vaidosa
Medrosa (Covarde)
Orgulhosa
Competitiva
Invejosa
Rancorosa
Egoísta
Obsessiva e paranóica
E com fortes tendências a desprezar pessoas iguais ou mesmo melhores que eu.

eis a verdade.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

frenetic blues

Bagunça, noites viradas naquele bar enlouquecedor de sempre, beijos em muitas pessoas, tudo junto e misturado, álcool. Dança e perfume de saxofonista apaixonante, coração meio esmigalhado, mas tudo bem.
(Vomitei no banheiro, nem foi porre, acho que estou doente, tomara que nada grave, e o garçom que me viu tomando ar na cozinha quando comecei a passar mal, uma coisa romântica passou pelos olhos e sorrisos de ambos, teve que limpar, que era o trabalho dele e eu tava sem forças. No dia seguinte, fui tocar lá com meu grupo e ele me abraçou durante muito tempo. Mundo louco.).
Um homem me disse que eu fosse no centro-espírita, e tirou um calor da minha cabeça com os dedos. Sinistro.
Beijos com gosto de cigarro no argentino lindo mas meio sujinho. Nem sei porque, tudo muito normal e sem desejo (noutra noite, no mesmo bar, encontrei-o com uma flautista baiana igualmente linda de morrer que eu já tinha conhecido na vida, e quando fui ao banheiro, ela entrou junto e lambeu a minha língua compulsivamente por 20 minutos). Segredo.
Dor e dor de ver Luiz Gabriel tão longe e tão perto, tão se achando o iluminado que resolve os problemas dos outros. Por um instante, num dia desses dentro do ônibus, quase quis me aproximar e abraçar ele todo, fazer carinho no cabelo de bolinhas. Mas a lembrança de que ambos já dissemos um ao outro o quanto somos desprezíveis desceu um gosto amargo que queimou fisicamente meu peito. Elegia.
Falando nisso, meu peito tem ardido frequentemente, e minhas amigdalas estão estranhas. Culpa da minha vida suja, diz minha mãe tão agressivamente e autodestrutivamente inconformada. Dor.
Grandes mudanças na vida, no ritmo que de repente perdeu toda a compaixão, e nas cores, cada vez mais noturnas.
Medo de não dar tempo de algumas coisas.

inês.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

cinema

Flaneio surdo no reino das imagens: lá estão as canções que esperam ser escritas.
(Que foi que fiz até hoje, senão planos de planos?)

Já não há sinais mágicos nos sons da rua, ou nas falas de qualquer pessoa. Nada de grandes promessas, nada de futuros brilhantes.
(não há razão para fuga...)
Aquele espetáculo de mistério e certeza de outro dia desses deu lugar à contemplação silenciosa das belezas discretas, ao dessabor de nada haver nunca sido desvendado e à percepção meio resignada de que nada de tão grandioso se cria do lado de cá das telas ou das letras, a não ser a dança das coisas acostumadas ao tempo (ó justo girar do mundo...), o segredo antigo contido em tabuletas de tabacarias e a metafísica dos chocolates.
Estou envelhecendo, e tenho sentido muito cansaço (por que meus olhos ardem tanto?).

inês, nascida no dia de são jorge, e meu aniversário é depois de amanhã.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

tarde manhã

Despedidazinha felina de um sonho tranquilo (espere que amanhã eu volto...). Espelho, café, cheirinho bom, céu colorido e frio.
Onde está o fósforo do fogão? Alguém dissera que fora gasto por Inês (a tão vergonhosa...).
Surge a mãe na porta do quarto, meia e chinelo, roupão. Com amargor e deboche, não ralha. O que é que Inês faz com esses fósforos? (Na certa, fuma. Maconha. Vergonha, absurda Inês).

Entre os avanços de horas,
(olhares noturnos do jovem-olhos-de-gato que estuda antropologia e deve ter 18 anos, cigarros roubados, lanches pendurados, trabalhos, distâncias, cansaços - por que meus olhos ardem tanto?)
Inês encostada no vidro do ônibus escutando um samba e contemplando a correria igualmente medíocre dos que vão e vêm. (Luiz Gabriel, não me cobre generosidade, logo você, tão cristão.)
* * *
Num pequeno silêncio de hoje a tarde (devagar, as janelas olham), entrou no ônibus uma mulher duns 40, 50, 60 anos, e o tempo silencioso durou um pouco mais que os segundos que lhe eram de direito. Trazia consigo o corpo daquela mulher o cheiro dum creme, uma loção, um não-sei-quê perfumado, que num tatear de narinas e lembranças me afogou
(em dias felizes na praia de Boa Viagem, em que a mãe cantava e carinhava, em que não havia nojo de nada e tudo era amor, sol quentinho, cheiro e barulho de mar e de mulher apaixonada, beijos na barriga e no pescoço, e aquele cheiro tão gostoso que vinte anos depois permanece tão forte: duas mulheres quase sem pecado.)
Meus tantos e tão ávidos olhares deram descanso aos olhos: inspirei e inspirei e inspirei todo aquele perfume de certeza e de infância. Quis encostar meu nariz e a boca, o rosto todo nas costas e nos braços daquela mulher antes que ela girasse a catraca, mas me detive por alguns milímetros e instantes, porque tudo o que eu buscava era éter.
(Foi como esmagar um pedaço meio doído, mas também foi como olhar pra sempre um retrato da infância).

inês.

terça-feira, 13 de abril de 2010

diárias.

07 da manhã (Galo cantô às 4, graças a deus), celular do progresso desperta meus sonhos confusos com um arranjo brilhante do Moacir Santos (daqui ha uns dias como alarme vai virar sinônimo de irritação). Banho (sempre). Pomada no machucado (às vezes). Pão gostoso e gordurento. Café. 400ml.
A espera ansiosa pelo ônibus que não vem não vem, só volta, trazendo trabalhadores de tão longe e tão já sem sono. Trocados. Espera, tem uma moeda no outro bolso. Pronto. (E agora, como voltar? Como pagar o almoço de R$2,50? Banco!)
Banco, banco, banco, aproveito e pago as três contas amassadas na minha bolsa. Oooh não! Vermelho, vermelho, vermelho.
(Pensar nas multas agora seria muito arriscado pra minha saúde).
Porra, como vou pagar os mil reais que já devo à minha mãe, à ex namorada e ao maldito banco?
O Cachê sai semana que vem, o projeto vai ser aprovado, a bolsa vai ser liberada, o devedor miserável que sumiu com uma grana minha daqui a pouco dá as caras, dia 25 a banda volta a tocar, dia 22 tem gravação, pra receber, quem sabe, em outro dia 22.
12h, almoço na casa da mãe da Silvia. Arroz gostoso, ovo frito. Salada!
Aula aula, ensaio, aula. 1h30 de ônibus apertado pra chegar de uma escola a outra, a 20 min de carro.
Dinheiro não. Beleza pura.
Viagem pra França em Outubro, Flauta Nova, Macintosh, Fusquinha bacana, dividir ap com gente jovem reunida: calma...
18h, banca de revistas, concursos públicos, siglas, siglas, o maldito direito empresarial. (Flávio, me empresta um real??)

inês, que quase surta e desiste.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

que deus nos ilumine, ou: morphine

Sou um fracasso nessa história de cuidar de mim e ter amor próprio, e acabo me jogando nuns chapiscados, como se o meu corpo - já não tão viçoso e já cansado de juventudes - tivesse que ser entregue em holocausto como pagamento por tanto imaginar mundos diante dos meus olhos e por desejar a vida com tanta sede.
Me sinto uma cachorra. E sim, tenho ódio dos homens.
Mas sobretudo ódio de mim, por ser vítima da minha própria monstruosidade, eu que sou perversa, eu que contemplo a beleza e a morte com frieza e suporto minha própria dor gratuita em busca de uma resposta do mundo à tanta paixão que explode pelos meus olhos todos os dias e que a qualquer hora acaba de entupir todas as minhas veias.

inês.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

a spark lost in the dark

Voltei a rondar sozinha pelas ruas, e vi que algumas ainda me trazem lembranças amargas, e que por uma ou duas vezes temi profundamente esbarrar com duas ou três pessoas que hoje não mereço ver de muito perto. Por um momento me peguei esperando que algum afeto de gosto forte inesperadamente surgisse de dentro da noite, e então chorei de raiva por querer tanto me sentir tão só e por buscar tanto alguma verdade no mundo.

(Me pergunto o que fazer com o grande buraco que criei em mim quando não tinha medo das coisas do amor, e se existe algum jeito de esquecer o pouco que aprendi sobre a beleza e a crueldade do mundo dos homens.)

Acontece que, andando entre os carros, as cores, os ruídos que de vez em quando irrompem no meio do silêncio noturno e as torres gigantescas da minha cidade time is so old and love's so brief, eu, que penso tanto e sempre, de súbito fui surpreendida pelo céu, pela lua e pela névoa por trás das árvores, e essa nova noite que invadiu a minha sugou meus pensamentos num ímpeto misterioso de libertação.

Assustado, meu corpo pôs-se a correr mais do que pôde, e foi como se se desobstruíssem todos os rios dentro dele. Saí correndo pela avenida, a moça correndo pela avenida, o rio correndo pela noite, o silêncio inundando minha cabeça, minha pele atravessada pelo mundo.

inês.

quarta-feira, 31 de março de 2010

menstruation times

Ah, mas eu adoro ser mulher. Depois de passar tanta raiva por ciúmes de cocota pra cima de mim (a esposa do vocalista da minha última banda deu chilique quando a gente viajou junto e por isso agora eu tou meio de molho com eles ô vontade de estourar uma pele rosada), por desesperos ridículos de marmanjos patéticos e babões que acham que eu caio sem querer no discurso porco deles, por não gostar dos meus pêlos de baixo e ter que passar 40 minutos na cera todo mês, por não aguentar mais ficar sozinha mas peferir ficar sozinha do que tão mal acompanhada, por fazer de conta que acredito em mais mentiras do que as em que já acredito, por não saber impor uma dúvida quando no meio desses babacas moderninhos que sabem nomes demais em inglês e precisam esconder suas fraquezas de merda atrás dos seus trabalhos até que bacanas mas no fundo de merda: ainda posso me embriagar na beleza das coisas, ainda posso ir pra um inferninho, berrar que nem louca e pagar de turista, ainda posso cospir no passeio, e, graças ao bom deus, sei que sou forte, que sangro todo mês, que posso parir uma pessoa, que posso de repente mudar pra bem longe e nunca mais ver ninguém que fale português e que essa sensação de preguiça dos homens amanhã passa e eu vou estar novamente como uma mulher qualquer que usa vestido e passa hidrante no cotovelo, que chora de amor e sorri quando vê bichos dormindo.

som: Nostalgia 77 Octet: Weapons of Jazz Destruction


inês, que escorre nervosa.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Encontros e translations

Nem tive a decência de perguntar se a brincadeira estava valendo e talvez já estivesse deixando-me escorrer displicente pra dentro de alguma das suas idéias, e agora bebo de você uma coisa tão nova pra mim que nem sei se de repente o que eu engulo é mais do que eu posso (posso?).
Não tenho o direito de culpar seus velhos atrelos pelos meus tão novos medos. Contemplo a coragem de viver e de me libertar que nasce desses novos encontros, saboreio a nova busca pelo que em mim era antigo e agora é infância e sorvo a sua beleza de corais frescos e estrelas do mar.
Eu sei - e é bonito demais pro meu coração não doer um bocado - que na praia ou no rio eu piso nas respostas que procuro, e que as perguntas, agora cristalinas, nesta idade se desfazem pra compor a beleza do mundo.
Eu sei - e haja coragem pra viver sabendo - que tudo é tão simples e tão sem palavras como uma manhã ou uma fruta mordida.

Inês.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Perdoe-me padre...

Ah, minha cabeça ainda rodando.
Jorge, o diretor supersensível e interessante que por longos anos de conservatório me Como que é uma palavra que quer dizer assim quando uma pessoa fica a espreita de algo, com desejo daquilo, até que fique pronto?
Me pediu em casamento.
Eu ri.
Pediu de novo.
Desssa vez eu chorei, mas ainda sim disse não.
Depois de tanto não, um dia me pediu um beijo.
(e depois de tanto não, um dia eu disse sim).

Acontece que o cineasta tinha que ir viver no estrangeiro, sentir um pouco da Europa, e queria ir com esposa e tudo.
De novo eu disse não.
Num mês ele estava casado com uma veterinária e se mudou pra lá. Quando me disse, chorou de raiva.

Mas na verdade, ela não era veterinária, ela era uma princesa linda. Uma fada. A princesa das fadas lindas. Quando os dois vieram de férias, meses depois, estavam em crise. Fizemos um trabalho juntos, eu e ele, e rondamos pelas cidades por duas ou três noites. Com beijo e carinho e sede.
Aí ele voltou pro longe.
Um mês depois, eram solteiros de novo, o diretor na Europa e a princesa das fadas no Brasil.

Ontem a vi na cidade. Estava linda como uma princesa das fadas, só que bêbada como uma princesa bêbada, e me chamou pelo nome e me abraçou com ternura. Eu não tive culpa se em vez de ela me bater, arrancar meus cabelos ela quis lamber o meu pescoço, morder o meu nariz e chorar entre os meus seios.

Não fiz nada de errado, ontem, mas sei que cometi um pecado.

Inês.

sexta-feira, 19 de março de 2010

O blablablá das entranhas corroídas e a puta que o pariu

Antes de mais nada: Luiz, eu te amei um bocado. Que coisa olhar pra você agora tão se fazendo de menino, e isso não fazendo mais efeito nenhum no compassamento do meu coração!

Getúlio é o cineasta - meu caro! - que goza sobre minha caligrafia debochada e arranca de mim a estrela cintilante que derrama minha juventude pela noite.

Fabiano, querido, me desculpe por não te amar e por na verdade ter saído não pra comprar cigarros mas pra sumir. Aqui, te abandono.

Ricardo, seu sambista safado, essas brincadeiras nossas que nunca acordam - graças a deus! - alimentam um ritmo cada dia mais gingado nos sons que acontecem à minha volta, e eu poderia dizer que isso é amor, quisesse fazer de conta, mas é a mais pura malandragem assexuada e onírica transfigurada em som e em sonho.

Maestro desquitado, por favor, me desculpe os semitons fugitivos, e permanece dançando sobre a pureza eterna da mnha pele. Seu amor tão denso e macio (ternura) pelos meus intervalos e descompassos me desconcerta, e sobretudo me comove.

Moça bonita do vestido oriental e sapatos paulistanos, que passa olhando pra mim por entre as mesas do refeitório: -enfia essa buceta no seu cu, que tou com preguiça de me lascar.

Ó montes de coisas que finalmente se tornaram montes de coisas: não cabe nada aqui dentro agora, que íris cintilantes lambem meu corpo e meus silêncios todos.

Acho que estou apaixonada por outro.

Inês.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Fase Azul e Rosa

Dança sobre meu corpo o homem dos movimentos sonoros, e meus olhos sequer precisam estar abertos. Me alimenta com cores pelo nariz, pelos ouvidos, pela boca, pela pele. Aqui, sou mulher, e minha inquietações estão acampando num lugar muito mais fresco e verde e silencioso. Menino do canto, sabe que é sábio reverenciar com devoção o milagre bonito da vida. Passeando por mim, de perto e de longe, inquieto e inseguro, esses olhões buscando luz o tempo todo, vai acabar um dia se encontrando e gostando muito de si mesmo, não só pelo que está do lado de dentro da pele ou sai pelos dedos e pela boca, mas pelo que sai de todos os poros, e principalmente pelo que entra.
Nem todos os meninos só pensam em si, e, sim, eu acho isso muito mais bonito do que todo o resto das coisas.

Inês.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Desafogamentos

Querido Príncipe Fabiano, seu amor parece imenso, mas é ingenuamente desentoado...
Sinto muito, mas, ademais... Minhas orelhas não te pertencem também, e têm estranhado muito esse carinho tão desafinado e ardente. Meu primeiro maestro era um senhor militar que me ofertou mais do que eu esperava da vida, mas ao mesmo tempo de vez em quando me lambia as orelhas e isso me enojava um pouco. Eu não reclamava... Por pena.
(Pensa certo Inês, vê se não erra! Luísa! Luís! Gabriel! Elisa, Elisa, Fabiano! Pronto, guarda bem, Inês, não erra. Não confunde. Não esquece.)

Luiz, eu me lembro de você quando torço a minha roupa, porque sinto meus braços bem fortes, e sinto raiva também, porque vc me arranha por dentro, e eu acabo gostando disso de um jeito meio vicioso, ao mesmo tempo porque o seu corpo morninho e macio meio que me alimenta quando eu preciso.
Se bem que não, quase nunca é quando eu preciso. Sabe disso? Eu sei, mas não sei explicar não, por isso nem tento, que é pra não te aborrecer com as minhas próprias concavidades vorazes (ah, eu sei bem como elas doem nos outros).

Você é um alimento morno e macio que alimenta a minha fome.
(Infinito, pra dentro e pra fora.)

Inês, aqui no Pátio de São Pedro

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Dos duplos que não me pertencem

Enquanto as coisas todas acontecem – acreditei que precisava da sua explicação pros mil platôs – meu duplo mergulhado no piche busca o cheiro e a maciez de banana da boneca que se perdeu pra sempre...

Um outro duplo sumiu entre os abismos de corais e búzios, talvez um dia a gente ainda se encontre entre tambores ou ondas...

Outro está absorto na contemplação do mar imenso do Rio de Janeiro naquele apartamento imenso, vazio e cheio de coisas minhas, congelado numa posição já inatingível por meus olhares ou mesmo meus sonhos...

Outro ainda respira aquele cheiro de incenso, gelo seco, madeira e poeira dentro do teatro.

Outro se perdeu em histórias fantásticas que bem podiam se verdade, e espero ainda que sejam.

Outro sorve um leite morno ao som de cantos de amor e entrega, e se aninha em braços seguros, e contempla as cores da Floresta Negra.

Outros talvez sejam doloridos demais pra que eu me lembre deles.

Outros já foram completamente libertos.

Inês.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Despétalas

Sonhei que te embalava
em meus braços não finos-de-heroínas-espanholas.
Despertei sentindo seus olhos
passeando distraídos
nalgum sonho só seu.

Sonhei que te devorava
(mais com sede que com fome)
ao som de uma salsa.
Despertei.
E no escuro do quarto seu silêncio arrebatou meus desejos.
E um soluço silencioso quase explodiu meu coração antes que eu voltasse a dormir.

Sonhei que te traía
com flores brancas de pétalas macias.
Despertei.
E vi que tu já não estavas...

Inês.

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