sexta-feira, 30 de abril de 2010

frenetic blues

Bagunça, noites viradas naquele bar enlouquecedor de sempre, beijos em muitas pessoas, tudo junto e misturado, álcool. Dança e perfume de saxofonista apaixonante, coração meio esmigalhado, mas tudo bem.
(Vomitei no banheiro, nem foi porre, acho que estou doente, tomara que nada grave, e o garçom que me viu tomando ar na cozinha quando comecei a passar mal, uma coisa romântica passou pelos olhos e sorrisos de ambos, teve que limpar, que era o trabalho dele e eu tava sem forças. No dia seguinte, fui tocar lá com meu grupo e ele me abraçou durante muito tempo. Mundo louco.).
Um homem me disse que eu fosse no centro-espírita, e tirou um calor da minha cabeça com os dedos. Sinistro.
Beijos com gosto de cigarro no argentino lindo mas meio sujinho. Nem sei porque, tudo muito normal e sem desejo (noutra noite, no mesmo bar, encontrei-o com uma flautista baiana igualmente linda de morrer que eu já tinha conhecido na vida, e quando fui ao banheiro, ela entrou junto e lambeu a minha língua compulsivamente por 20 minutos). Segredo.
Dor e dor de ver Luiz Gabriel tão longe e tão perto, tão se achando o iluminado que resolve os problemas dos outros. Por um instante, num dia desses dentro do ônibus, quase quis me aproximar e abraçar ele todo, fazer carinho no cabelo de bolinhas. Mas a lembrança de que ambos já dissemos um ao outro o quanto somos desprezíveis desceu um gosto amargo que queimou fisicamente meu peito. Elegia.
Falando nisso, meu peito tem ardido frequentemente, e minhas amigdalas estão estranhas. Culpa da minha vida suja, diz minha mãe tão agressivamente e autodestrutivamente inconformada. Dor.
Grandes mudanças na vida, no ritmo que de repente perdeu toda a compaixão, e nas cores, cada vez mais noturnas.
Medo de não dar tempo de algumas coisas.

inês.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

cinema

Flaneio surdo no reino das imagens: lá estão as canções que esperam ser escritas.
(Que foi que fiz até hoje, senão planos de planos?)

Já não há sinais mágicos nos sons da rua, ou nas falas de qualquer pessoa. Nada de grandes promessas, nada de futuros brilhantes.
(não há razão para fuga...)
Aquele espetáculo de mistério e certeza de outro dia desses deu lugar à contemplação silenciosa das belezas discretas, ao dessabor de nada haver nunca sido desvendado e à percepção meio resignada de que nada de tão grandioso se cria do lado de cá das telas ou das letras, a não ser a dança das coisas acostumadas ao tempo (ó justo girar do mundo...), o segredo antigo contido em tabuletas de tabacarias e a metafísica dos chocolates.
Estou envelhecendo, e tenho sentido muito cansaço (por que meus olhos ardem tanto?).

inês, nascida no dia de são jorge, e meu aniversário é depois de amanhã.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

tarde manhã

Despedidazinha felina de um sonho tranquilo (espere que amanhã eu volto...). Espelho, café, cheirinho bom, céu colorido e frio.
Onde está o fósforo do fogão? Alguém dissera que fora gasto por Inês (a tão vergonhosa...).
Surge a mãe na porta do quarto, meia e chinelo, roupão. Com amargor e deboche, não ralha. O que é que Inês faz com esses fósforos? (Na certa, fuma. Maconha. Vergonha, absurda Inês).

Entre os avanços de horas,
(olhares noturnos do jovem-olhos-de-gato que estuda antropologia e deve ter 18 anos, cigarros roubados, lanches pendurados, trabalhos, distâncias, cansaços - por que meus olhos ardem tanto?)
Inês encostada no vidro do ônibus escutando um samba e contemplando a correria igualmente medíocre dos que vão e vêm. (Luiz Gabriel, não me cobre generosidade, logo você, tão cristão.)
* * *
Num pequeno silêncio de hoje a tarde (devagar, as janelas olham), entrou no ônibus uma mulher duns 40, 50, 60 anos, e o tempo silencioso durou um pouco mais que os segundos que lhe eram de direito. Trazia consigo o corpo daquela mulher o cheiro dum creme, uma loção, um não-sei-quê perfumado, que num tatear de narinas e lembranças me afogou
(em dias felizes na praia de Boa Viagem, em que a mãe cantava e carinhava, em que não havia nojo de nada e tudo era amor, sol quentinho, cheiro e barulho de mar e de mulher apaixonada, beijos na barriga e no pescoço, e aquele cheiro tão gostoso que vinte anos depois permanece tão forte: duas mulheres quase sem pecado.)
Meus tantos e tão ávidos olhares deram descanso aos olhos: inspirei e inspirei e inspirei todo aquele perfume de certeza e de infância. Quis encostar meu nariz e a boca, o rosto todo nas costas e nos braços daquela mulher antes que ela girasse a catraca, mas me detive por alguns milímetros e instantes, porque tudo o que eu buscava era éter.
(Foi como esmagar um pedaço meio doído, mas também foi como olhar pra sempre um retrato da infância).

inês.

terça-feira, 13 de abril de 2010

diárias.

07 da manhã (Galo cantô às 4, graças a deus), celular do progresso desperta meus sonhos confusos com um arranjo brilhante do Moacir Santos (daqui ha uns dias como alarme vai virar sinônimo de irritação). Banho (sempre). Pomada no machucado (às vezes). Pão gostoso e gordurento. Café. 400ml.
A espera ansiosa pelo ônibus que não vem não vem, só volta, trazendo trabalhadores de tão longe e tão já sem sono. Trocados. Espera, tem uma moeda no outro bolso. Pronto. (E agora, como voltar? Como pagar o almoço de R$2,50? Banco!)
Banco, banco, banco, aproveito e pago as três contas amassadas na minha bolsa. Oooh não! Vermelho, vermelho, vermelho.
(Pensar nas multas agora seria muito arriscado pra minha saúde).
Porra, como vou pagar os mil reais que já devo à minha mãe, à ex namorada e ao maldito banco?
O Cachê sai semana que vem, o projeto vai ser aprovado, a bolsa vai ser liberada, o devedor miserável que sumiu com uma grana minha daqui a pouco dá as caras, dia 25 a banda volta a tocar, dia 22 tem gravação, pra receber, quem sabe, em outro dia 22.
12h, almoço na casa da mãe da Silvia. Arroz gostoso, ovo frito. Salada!
Aula aula, ensaio, aula. 1h30 de ônibus apertado pra chegar de uma escola a outra, a 20 min de carro.
Dinheiro não. Beleza pura.
Viagem pra França em Outubro, Flauta Nova, Macintosh, Fusquinha bacana, dividir ap com gente jovem reunida: calma...
18h, banca de revistas, concursos públicos, siglas, siglas, o maldito direito empresarial. (Flávio, me empresta um real??)

inês, que quase surta e desiste.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

que deus nos ilumine, ou: morphine

Sou um fracasso nessa história de cuidar de mim e ter amor próprio, e acabo me jogando nuns chapiscados, como se o meu corpo - já não tão viçoso e já cansado de juventudes - tivesse que ser entregue em holocausto como pagamento por tanto imaginar mundos diante dos meus olhos e por desejar a vida com tanta sede.
Me sinto uma cachorra. E sim, tenho ódio dos homens.
Mas sobretudo ódio de mim, por ser vítima da minha própria monstruosidade, eu que sou perversa, eu que contemplo a beleza e a morte com frieza e suporto minha própria dor gratuita em busca de uma resposta do mundo à tanta paixão que explode pelos meus olhos todos os dias e que a qualquer hora acaba de entupir todas as minhas veias.

inês.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

a spark lost in the dark

Voltei a rondar sozinha pelas ruas, e vi que algumas ainda me trazem lembranças amargas, e que por uma ou duas vezes temi profundamente esbarrar com duas ou três pessoas que hoje não mereço ver de muito perto. Por um momento me peguei esperando que algum afeto de gosto forte inesperadamente surgisse de dentro da noite, e então chorei de raiva por querer tanto me sentir tão só e por buscar tanto alguma verdade no mundo.

(Me pergunto o que fazer com o grande buraco que criei em mim quando não tinha medo das coisas do amor, e se existe algum jeito de esquecer o pouco que aprendi sobre a beleza e a crueldade do mundo dos homens.)

Acontece que, andando entre os carros, as cores, os ruídos que de vez em quando irrompem no meio do silêncio noturno e as torres gigantescas da minha cidade time is so old and love's so brief, eu, que penso tanto e sempre, de súbito fui surpreendida pelo céu, pela lua e pela névoa por trás das árvores, e essa nova noite que invadiu a minha sugou meus pensamentos num ímpeto misterioso de libertação.

Assustado, meu corpo pôs-se a correr mais do que pôde, e foi como se se desobstruíssem todos os rios dentro dele. Saí correndo pela avenida, a moça correndo pela avenida, o rio correndo pela noite, o silêncio inundando minha cabeça, minha pele atravessada pelo mundo.

inês.

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