quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

i can´t breathe

depois de muito tempo esperando algum retorno de quem devia estar me orientando, percebo, então, que, desde o início, tal orientação nunca viria. mas não bastava que eu soubesse de antemão que não devia estar esperando nada: a vida quis que eu esperasse com fé, até que as desilusões atropelassem-se umas às outras e eu enfim me desse conta de que estou eternamente terrivelmente sozinha pra sempre, e não há nada que eu possa fazer com relação a isso.
aí eu tentando me libertar do ego começo a perceber que o problema tá comigo. como se alguma maldição, talvez mesmo auto-maldição-pós-trauma, quem sabe...
ou o amor não existe.
depois de muito tempo esperando alguém que se dispusesse a trocar comigo algum tempo e algum espaço de vida, ou de amor ou de beleza, percebo, já desesperosa, que tal partilha talvez nunca venha, mesmo. mas não bastava que alguém um dia me dissesse olha, você é infértil, você não nasceu para conviver nem construir nada que dure mais que quatro meses com ninguém. foi preciso que a minha carência fosse tamanha e que me cegasse e me fizesse acreditar estar construindo alguma coisa até perceber que nada nunca existiu de fato entre mim e ninguém. só ilusões, frustrações, esperas crueis, confusão.
(o amor não existe)
e, de repente, tudo de novo. flerte, corações, desejos, chamados, assédios, agrados, promessas, pedidos (ilusões, ilusões, ilusões), e eu percebo já de cara que isso tudo me dá nojo, o desejo dos outros me dá nojo, o encanto dos outros me dá nojo, me dá medo e me dá nojo, porque eu tenho um oco podre dentro de mim, um vazio que espanta qualquer um que se disponha a conhecer.
aqui, nada brota. só eu, só, a minha solidão, as minhas toneladas de desilusões e sonhos mortos, a espera por frutos que nunca nunca brotam, meu medo, e agora também meu nojo.
não há espaço pra mim no mundo. acreditei por anos que pudesse haver a possibilidade de construí-lo, mas agora me dou conta de que tudo sempre é em vão e eu nunca chego a lugar algum, só rodeio, desejo, atraio, persigo, mas no fim, não há quem me acolha, e não há quem me adentre.
o amor não existe pra mim, e talvez nunca tenha existido (ou estarei pagando até o fim da vida por ter abandonado quem um dia me amou e se abriu pra mim? eu já me arrependi. eu já sei que não se joga uma pessoa fora).
só acordos, conveniências, aparências, distrações, aproveitamentos, e descuidos, desprezos, vazios.
o mundo é um lugar incrível, mas já não faz o menor sentido habita-lo tão só.

inês, só, como sempre, e sem saída.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

desistência

eu nunca tive disposição pra amores sem asas.
mas depois de alguns amores doentes, covardes, egoístas, desamores - dos que tentam sempre levar alguma vantagem, seja me devorando, seja me usando e enganando - achei que talvez fosse um bom momento pra um pouco de calma, paciência, e mesmo uma certa frieza, quem sabe. pras coisas miúdas que demoram muito a crescer terem tempo e espaço pra começar a brotar. no entanto, encontro sempre pessoas tão indisponíveis, tão indispostas a se entregar ao risco das coisas ainda não estabelecidas, a perder tempo juntos, a dar um tempo da correria individual e experimentar alguns pedaços desse mundo tão grande, a compartilhar um pouco de nada, de silêncio, de sonhos, de medos, de bobagens e risos...
não que eu queira o abalar de estruturas que eu tanto perseguia antes, mas eu preciso que alguma coisa se desconstrua.
os homens... ou querendo bancar o esperto, tendo muitas mulheres e planos e projetos, ou então simplesmente elegendo uma mulher que consideram adequada pra preencher um posto limitado nas suas vidas tão importantes. o resultado é eu ficar num sobreaviso constante, uma sensação de descarte iminente de uma relação que nunca chegou a se construir, porque afinal ninguém se dispôs a abrir mão de nada pra negociar uma vida um com o outro.
sempre assim, mais do mesmo, quase bom e quase lindo, mas cuidado que não é pra valer.
com as mulheres a coisa se dá tão diferente... somos inconstantes mesmo. eu, por exemplo, desejo a sorte de um amor tranquilo, manhãs entre lençois, tardes olhando o mar, ou um bicho, quem sabe, um poema, pensando sobre um problema entre a verdade do universo e a prestação que vai vencer... desejo uma espécie de lar, que pode ser inseguro, conflituoso, hoje tem, amanhã não, depois em dobro, mas que tem alguém, que me escuta e que também quer ser escutado, e que experimenta comigo os modos como nossos corpos, e vozes, e silêncios - e livros, e músicas, e lembranças, e projetos - constroem um amor.
ao mesmo tempo, duvido muito de tudo o que é certo, de tudo o que é garantido, ou fácil, eterno, previsível. alguém que segura as pontas o tempo todo e nunca não sabe o que quer, nunca discorda de mim, me parece uma roubada, e é por isso que certas pessoas incríveis nunca conseguiram entrar no meu coração pela porta que me desmonta. solidão, ainda que do avesso. talvez eu um dia me arrependa. eu já me arrependo. mas coração é terra em que não se anda. eu desejo o infinito.
as mulheres que eu amei talvez amassem demais, mas talvez precisassem de tão pouco, mas de um modo - como é possível que eu não tenha reconhecido? - quase desesperado, que eu sempre fugi, insensível. no fundo, sempre era questão de amizade, carinho, confiança na incerteza, tempo (e espaço).
ou seja, o mesmo que eu. só que reverso. (talvez eu um dia me arrependa. eu já me arrependo.)
mas então não sei, tem coisas energéticas cósmicas, físicas, espirituais, que pra mim só acontecem entre um homem e eu, e isso me deixa inclusive mais alerta, pra não deixar desencadear isso tudo com alguém que não está disposto a compartilhar um pouco mais que alguns sábados, uma cama, alguns fluidos...
estar alerta cansa, e estar sozinha também.

inês, meio cansada da vida.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

lê e perde

quanto mais aperta mais ansia mais dispersa arde o olho arde a mente agoniza grifa-copia repete a linha pergunta à linha e uma pausa pro café uma pausa pra unha uma pausa pra pele uma pausa pra formiga uma pausa lenta interminável e aflita pra cada gretinha da janela uma pausa pro buraco e o buraco engole o texto e o medo engole o texto e a vida a verdade do universo a prestação que vai vencer o e-mail da avó a notícia da tortura muitos tiros muito ódio o nascimento de um rinoceronte albino a fotógrafa que captou a energia tudo engole o texto e o texto chia chia e as linhas se repetem se copiam chiam chiam e os dias fogem todos e o amor o caos as estrelas a madrugada a sujeira brincam perversos nesse quarto empestiado de nervo e cigarro e chá biscoito queijo amendoim lasanha pão laranja suco pipoca manteiga gordura sal e medo segredo torpedo desprezo desorientação e pedidos perdidos e negados e silenciosos nãos e o buraco engole tudo e o sono engole tudo e o medo engole tudo o amor engole tudo a palavra engole tudo a manhã engole tudo o sonho engole tudo o tempo engole tudo e tudo muda tudo dança tudo grita chia chia e amanhã é um novo dia e o texto me espera o texto me desespera o cigarro me alivia o buraco é alegria o amor me acelera e venha logo a primavera venha logo a nova era venha logo o fim do mundo venha logo o fim de tudo venha logo o fim do texto o fim do medo o fim do buraco o fim das pausas eternas pra tudo venha logo um novo tempo um novo medo um novo amor um novo texto novos olhos novos universos novas cartas e notícias e mensagens e palavras e prazos e sonhos.

inês

domingo, 14 de setembro de 2014

primavera e cigarros

mundo cão, e eu não consigo viver sem fechar os olhos, ou sem olhar nos olhos (aquelas coisas que parecem estar lá no fundo, ou talvez refletidas na superfície brilhante que também me olha - mas não sei o que vê, não sei o que procura, o que pensa, e nem sei mesmo se me vê ao menos um pouco, não sei se me quer, não sei o que quer) que ainda não sei se poderiam se fechar às vezes, fosse por sono ou fosse por fé
mundo bom de acabar, e eu não consigo escolher ser tomada pela espera de qualquer espécie de golpe terrível que não vai me encontrar em esquinas escuras - porque nunca estou só -, mas que da noite pro dia pode me atingir profundo de frente - porque, afinal, sempre fui só -, e sugar de novo a face florida que eu tive coragem de permitir que me preenchesse por dentro (quando comecei a comer um pouco do monstro que antes me comia). o que diabos protejo tanto?
e ao mesmo tempo - mundo velho - sou eu quem espera, sou eu quem pergunta, eu quem deseja, eu quem tem medo, sou eu sempre em tudo?
chega de mim! que o mundo é grande, é muito maior do que eu, e que toda a vida possível pode haver lá fora de mim - perto, longe, dentro, fora -, e que se dane esse devo ou não devo, suporto ou não suporto, mereço ou não mereço, quero ou não quero: chega de mim, o tempo todo. o eu que olha e que escuta já me basta, o eu que sente e pensa que sossegue um pouco, porque já sentiu e pensou além da conta pra quem mal começa a abrir-e-fechar os olhos, pra ver lá fora e não pra ver aqui dentro, mas pra não-ver lá fora, mesmo, e só ser.
(doeu, não era pra ter doído, e não era pra eu ter sentido. se eu doar, voa lá fora, vive leve, e bem maior)

inês.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

de volta, no meio do caminho

zero ideias e tantas emoções nesta semi-babilônia, caminho dos malucos, dos bandidos e das joias, cemitério debaixo de nós que passamos olhando os becos laterais, e árvores preciosas lembrando os correres mais lentos do tempo, e que mundo de encontros... pra trás nada.

inês.

domingo, 22 de junho de 2014

sonho III: folhas

duas folhinhas pequenas (pros meus olhos). quais?
olhei pro meu pé de folha-da-costa, e tudo fez sentido. foi só colher as mais novinhas.
(só que não eram elas não. eram as vinca-de-gato que estavam do lado, agora eu sei)

fumei, a maconha. disse pra um irmão que tinha fumado, ia dizendo enquanto descia de um carro, e expliquei que não tinha me sentido mal.

meu pai... entre os arbustos... me disse que eu também precisaria "dessas duas aqui". olhei... eram como ramas de visgo, penduradas cada qual em seu pé, mas bem próximas uma da outra. apareciam como dois cachos de folhinhas pequenas, uma delas talvez com tonalidade lilás.
mas faltou-me a disciplina pra prestar atenção nas mensagens e recusar aquilo como um simples sonho louco. eu podia ter perguntado o nome delas, pelo menos. ou em que me serão úteis.
o pior: talvez eu tenha perguntado tudo, talvez meus protetores tenham me revelado os segredos que só ali me seriam revelados...
mas eu não prestei atenção. levei o sonho na brincadeira, como se sonhar fosse simplesmente um momento de repouso e de descuido, como se eu não estivesse ali diante daquilo que quando estou acordada é invisível, e em meu sono se insinua na medida em que mereço conhecer.
(quem sabe as reconhecerei quando estiver enfim desperta)

aproveitar mais essa vida, inês!

seguro-desespero

das coisas que se movem não tenho tanto medo. nem das coisas que se transformam.
tenho medo das coisas que me aprisionam, venham de mim ou venham de fora. é o que me angustia, é uma bola de neve espessa e lenta, viscosa, é a natureza de um mal que não me cabe mais. quero sair daqui, e talvez seja preciso deixar que tudo passe por mim, entender talvez com o corpo que tudo flui, tudo é haver, a vida passa e o que quer da gente é coragem.
estou tranquila, num certo sentido emocional, as frustrações amorosas, familiares, sociais, dando lugar a uma - ainda meio vacilante - paz, uma coisa tão resignada e ao mesmo tempo tão transbordante de desejo, alegria, vitalidade, levezas... só que nada disso anda sozinho, mesmo, e é por isso que tenho fumado tantos cigarros, e me recusado a enfrentar a ordem do dia sem que o medo de um amanhã tão próximo me assombre. mundo cão, também, é claro, mas o que fazer disso? sei o que é contemplar a vida com amor, mas não é pra voltar ao conforto de antes que atravessei esse caminho tão pesado de agora há pouco. preciso restabelecer alguma fé, e sobretudo alguma coragem, mesmo. enfim, é claro que os caminhos são infinitos, mas já me habita um desejo tranquilo e amoroso - como o ninar da minha mãe - de escolher um dos tantos nos quais pude escutar o bater do meu próprio coração e, enfim, segui-lo.
perdoei e pedi perdão a quem eu queria... e já deu tempo de reunir os esforços possíveis pra experimentar o novo. com muito mais cautela e muito mais amor que antes. talvez um pouco menos de paixão. talvez não.

inês.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

irmãos

uma melancolia me abraça logo de manhã, como se eu tivesse sonhado a noite toda com uma ausência, com todas as ausências que de repente me doem, e a saudade então parece querer tornar-se um fel.
aí eu desisto do dia, recolho-me entre cartas, nos buracos intermináveis e enganosos, leio meia poesia do pessoa, e não consigo fazer mais nada. como se ninguém nunca mais pudesse me amar como nos amamos, e como se a partir de agora viver fosse um eterno lamento pelo passar dos anos, pela distância daquela alegria explosiva que tanto compartilhamos.
mas eis que alguém me sopra no ouvido que a lua está linda, que a noite existe tão viva quanto antes, tão noite quanto longe, e que cada segundo é uma nova explosão deliciosa de futuro e de amor.
saio, como antes... a ver.
e a saudade e a ausência transformam-se de amargas em doces lembranças à medida que vou percorrendo aqueles lugares que antes habitamos juntos de mil formas. como estará o zé? não tenho notícias.
e... tão logo se dá o primeiro encontro que a noite me reserva, abre-se o mundo, e meu amor transborda. daqui pra ali... uma cerveja... acolá, alguns abraços... e eis-me numa festa linda, com gente linda, num lindo quintal ouvindo lindos poemas e lindas canções... tudo novo, como se a juventude dos trinta-quarenta-cinquenta anos artísticos-políticos me esmagasse, ou antes me abraçasse como irradiação poderosa e linda de amor, de beleza, de sonho, de vitalidade e consciência.
eis aqui, mundo, um bocado de coragem.
eis aqui, tempo, um pouco de amor e de fé.

eis aqui, inês, um punhado dos seus lindos, novos e velhos amigos, que vão aparecendo no quintal no transcorrer de uma festa repleta de amor e de luz. e, quem diria... samba.

inês, corajosa, porque entre irmãos.

domingo, 8 de junho de 2014

sem casa

fui lá de novo. banhar-me de luz. e dói pra caralho a saudade daqueles dias de risos explosivos, de olhares e danças provocativos, e da doçura ácida do som que se fazia ali. o lugar ainda está vivo, ainda é lindo, mas guarda com certo constrangimento a lembrança de tempos artisticamente tão gloriosos que só quem experimentou vai saber o que foi.
e assim... sempre tem aquela presença maliciosa entre os que ali voltam tentando reencontrar algo daquele ar intenso e precioso de outrora. talvez sintamos pena por não sermos mais quem éramos, pela cena toda ter esfriado, por estarmos em tempos mais ordenados, contidos... quem sabe.
eu mesma, com muito pesar, repeli o ar de desejo galante que me atingiu.
ah não... não quero mais. já não me falta coragem, mas falta energia, falta sobretudo fé.
sinto nestes novos tempos uma onda tão forte de desconsideração, descompromisso, superficialidade, desvalor, que inclusive o próprio amor me parece mais precioso ainda. (quem sabe?)
não era tão assim... porra... troca-troca não é a arte do encontro.
se for assim eu dou mais certo é sozinha, mesmo.

inês

sábado, 7 de junho de 2014

para isa

peguei hoje em você, pelo lado de fora, pequenina.
venha logo, venha em paz, que esse mundo é bem cão mas é lindo a fuder.
deus abençoe a sua chegada. que me assusta e me encanta como uma surpresa enorme e acertada.
oxum te traga, yemanjá te empurre, omulú te cuide, ossain te abençoe, oxumare te crie, oxóssi te faça.
oxalá te proteja, ogum te guie, oyá te fortaleça, nanã te nine, xangô te oriente.
exu te mova.
pode vir, te esperamos com amor.

inês (para isa)

voando e por fora

hoje falaram seu nome na mesa e olharam pra mim.
como podem eles saber do nosso amor que só se comunicou ao mundo num sonho que tive?
estiveram eles comigo quando esta noite agora voei num avião pelo lado de fora?
saberão que hoje pela manhã esperei ansiosa e fiel que você entrasse pela sala?
mas seu nome foi tão surpresa e foi tão doce. sorri por dentro.
sei lá pra onde estou indo, pra tão longe e nem sei por que tempo, e eis que você vem pra onde moro, se adapta a meu lugar enquanto nem estou por aqui.
eu nem sei se voltaria, mas agora... voltarei? pra ver-te, definitivamente olhando noutra direção? por que fazem isso comigo? devo sonhar contigo agora?
viajar, sonhando? voltar? terei volta? vôo, e talvez volte logo, pra cuidar do gato. vôo, e talvez me perca noutras solidões.
(a minha glória é essa: criar desumanidade, sem acompanhar ninguém)
mas que não brinquem comigo. que os santos me sejam um pouco fiéis...
pra que eu vá em paz... me esqueça que enfim você veio, que vai perguntar por mim tão logo eu tenha partido. pra que eu pense que nada saiu do normal. pra que eu durma e sonhe lá longe pensando que ninguém nunca disse seu nome olhando pra mim.
mundo injusto.
te quero.  mas deus sabe o que faz.

inês.


quinta-feira, 5 de junho de 2014

dos medos que geram amor. ou: dos mestres, com carinho. ou: obrigada, deus.

eu sei o que é ter um mestre, apesar de não saber ainda ser discípula como gostaria.
as inquietações carinhosas com que fui amamentada tornaram minha vida mais especial e linda já no primeiro instante no colégio em que, fugindo de uma surda autoridade institucional, intramuros, encontrei meu primeiro maestro, que sem grades, sem horários, notas, pagamentos, fez-me abrir em admiração a um mundo que então se ofertava, mas do qual eu só distinguia sobras. e, como um cristal magnético, atraiu minha fé, minha confiança e minha plena dedicação à sua honrosa presença. mas fosse apenas admiração, amor, por sua figura, o desencanto teria sido próximo. o que ele alimentava em mim era um amor pela música, aquela que eu tinha aqui dentro, mas sobretudo, aquela que ainda estava lá fora.
eu era bem jovem e já sabia o que me prendia ali: uma fonte de luz que não me dominava, não me assustava, não me subjugava, mas sim me preenchia, me alimentava, como se precisasse que eu crescesse para que ela mesma fosse maior.

foi ficando mais fácil reconhecer os mestres da minha vida, e lamento que não os tenha reconhecido todos, lamento que não tenha passado por experiências suficientes ao seu redor, mas percebo hoje, depois que alguns outros seres iluminados ampliaram meus vôos, que é mesmo propriedade dos mestres querer que você vá embora, que procure outros, que não esgote suas forças diante de sua luz. eles fazem você querer o mundo, e seu desejo se encoraja com suas orientações.

muitas vezes há uma certa dor nessa coisa de mandar você se afastar de certo modo, ir buscar luz adiante. pode ser sem querer, e envolve uma rejeição necessária, inconscientemente forjada pra que se rompam cordões. meus mestres nunca admitiram cordões, quando eu muitas vezes criei e me agarrei neles, e me parece que quando eles sem se dar conta, iam nutrindo suas amarras, eu mesma estava preparada pra cortar com violência os laços que nos limitariam. o desapego cortava correntes, e, ao mesmo tempo, os caminhos da vida sempre reequilibraram as coisas de modo que logo era possível estabelecer novas relações e trocas, confirmar a admiração, reforçar os cortes, desfrutar dos vôos.

bem... o primeiro deles era bem velho, falava como meu avô. me fez ver o mestre em meu avô, também, e me acompanhou por anos, até fazer com que eu quisesse outras experiências musicais-afetivas-pessoais. me chamava de deusa, e me fazia estudar como o diabo. dizia com a voz e a disciplina de um oficial aposentado: ¨feliz do mestre cujo aluno ultrapassa¨, e ¨errar é humano, mas quem erra demais é burro¨. dizia que uma das coisas mais importantes do mundo era o ¨brio¨ da pessoa, e eu ao mesmo tempo deliciosamente escutava que o mais importante era o ¨brilho¨, o que sempre fez o maior sentido, mesmo.

teve outra, que por apenas três ou quatro anos permitiu-me os mergulhos poéticos até então desencorajados pela família e pela escola. ela era terrivelmente mulher, e me amaciou um pouco, tendo em troca sorvido minha rebeldia ácida.

depois teve aquele... menino... e que por muitos anos foi um segundo pai, mais honesto com relação ao risco que é viver. era de quem eu sempre esperava que dissesse se estava louca ou se estava certa, e se isso podia ser bom ou ruim. me encorajou, cortou minhas frescuras, cortou minhas tranças. me transformou completamente, me guiou a tantos - e tão longe - encontros com outras grandiosas fontes de inspiração e crescimento, que desabrochei-me em flores. antes que eu lhe agradecesse, foi ter ele mesmo com novos guias, foi voar com pássaros, ficou encantado.

do nada então me vi diante de um mestre absoluto, controverso, misterioso, que veio de muito longe e me adotou por alguns anos e me premiou e protegeu com sua companhia fecunda, intensa, espiritual e absolutamente apaixonada.

a próxima cantou como uma sereia, de um modo tão irresistível que mergulhei pra nunca mais voltar. me alimentou e encorajou quase como minha própria mãe, deslocou meus sentidos e minhas crenças, e com isso perdi um mundo em que podia ser rainha pra ganhar alguns outros tantos em que eternamente serei andarilha. e, tanto permitiu que eu ousasse, tanto alimentou minha extrema rebeldia, que, por fim, rompemos.

depois ninguém mais me adotou. ninguém me levou pra casa, ninguém me preencheu de modo tão intenso que durasse aquela eternidade-até-a-ruptura. talvez isso nem nunca mais aconteça dessa forma, agora que minha jovialidade interessante deu lugar a uma visível crise de fim brusco de ciclo profissional em descompasso com uma vida afetiva em doce infância, os sonhos a nordeste, os talentos adestrados a oeste, as lembranças todas submersas, prontas a explodir como vulcão.

mas encontro tanta maestria nas pessoas que me inspiram, que me pergunto se não estou em pleno terremoto dispersivo no mundo das minhas afetividades. e quando penso, meu deus, é incrível demais pra ser verdade, mas como pode uma pessoa como eu ter-se encontrado, de repente, em tantas e tantas e tantas e tantos encontros ligeiros e intensos, com mestres tão transformadores que com uma conversa abriam meu coração e metiam dentro dele coragem e amor, e que com os olhos e poucas palavras fizeram minha vida inteira já ter valido a pena? aí, se eu for pensar em cada um num só dia, meu coração não resiste.

inês, escrevendo dissertação, com os instrumentos guardados debaixo da cama há 1 ano, após 15 de explorações sonoras, e desejando plenos vôos.

terça-feira, 3 de junho de 2014

sangue

só faltava mesmo que, enfim, descesse tudo, e agora já não falta nada. tem uns ciclos lindos rolando no meu corpo, e que se estendem às minhas histórias, aos eus que tenho, que sou, que hei. homem não sabe não.
acaba amor, começa amor, acaba amor, sai da casa, casa nova, casa outra, sem casa, mais amor e algum dinheiro, depois contas e mais contas, o vermelho, o medo, o susto ruim o susto bom, um cachorro...
e a terra girando dentro do meu corpo, cada parte se entendendo e se desentendendo entre si enquanto vivo, nascentes de luz e escuridão que me movimentam e me recolhem, tudo isso enquanto penso que penso pra existir e ser mulher.
eu me angustio, mas meu corpo parece que sabe de tudo.
agora o grande balão de remoimentos que eu enchia sem controle aqui dentro esvaziou, parece que choveu, me sinto uma terra revirada e úmida, fértil, farta de sementes, sais, restos, desejo, fé...
só que não voltei a ser o que eu era, acho que isso nunca mais. o mundo roda e caminha, e as coisas não voltam ao seu lugar. uma coisa de que eu gostava muito morreu, e libertou-me de um vício que não me deixava perceber que eu queria lá na frente, mas não sentia a delícia do eterno preparo.
tenho um certo tesão inédito em um pouco de sangue, algum arranhão, uma mordida, de repente tatuagem. já marquei, a primeira, e já a adoro, na minha pele.

inês.

domingo, 1 de junho de 2014

sustinho

eu já queria mesmo respirar a sua pele, deixar que entrasse em mim o cheiro do seu corpo, do seu cabelo, seu suor, suas pintas, seu cangote, ai que lindo é você, e que desajeito, que desconcerto, que atropelo meu afobamento tão pouco educado, a minha fala atravessada, minha conversa avacalhada, um palavrório exagerado, e que delícia nosso delicado desencaixe, esse desconhecer que meu desejo sorve, a sua barriga lisa escondida pela camisa, os seus pés compridos lá longe dos meus, o calor das cobertas o gelado do banho mal-secado, a sujeira do banco da frente do busão e da cadeira do buteco no vestido na sua cama, e essa pureza bruta e limpa da sua saliva, doçura em hálito de cerveja, ronquinho bêbado na minha orelha, e frios na barriga cuspidos em mim pelo seu riso forte, que delícia a manhã ensolarada em volta da sua casa em volta dos seus livros e das suas ideias lindas, que delícia de café e de pão com manteiga!
é quase um milagre, mas nem me pergunto se será que vai ter mais, eu aprendi de um jeito bem doído que não é isso o que importa quando a gente se encontra, e estou sentindo de um jeito gostoso que aprendi a coisa certa, ouvindo alguma palavra sua de repente durante o dia e tentando lembrar do cheiro que senti bem rapidinho mas que me deixou bem alegrinha, me satisfez enquanto houve. é isso, só, parece pouquinho e breve, mas inaugurou-me de novo as partes doces, e que bom, obrigada!

inês, que agora celebra o desejo e ri da própria espera.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

cheiro

espero e espero
e eis que escorre (viscosa e enegrecida) a liberdade
(de sonhos mais adiante, quem sabe amor).
posso e quero exercitar minhas palavras; não dou murros em ponta de faca, não dou bola pra atos-falhos vazios da elegância de escutas ao porvir. dou empurrões, talvez, ou quem sabe quase isso, naquilo... que também não é bem faca, cuja existência vale celebrar com o esmero de buscar um nome provisório, pois sempre poesia.
(quando estou menos preparada ele vem igual a mim ou igual ao que eu era, diferente em tudo, mas encruzilhada de campos-minados-de-bênçãos e de infinitos encontros com aquelas faltas sem fundo, as misteriosas solidões do mundo, a coisa que não desce, o balão que não estoura, a semente que não brota, amor preso num sonho esquecido)
mas escorre, com ainda mais intenso calor, e pra dentro, e sobe, fumaça.

inês, viva.

sábado, 19 de abril de 2014

eu

culpa, perdão, paz, dor no peito, fluir entre incertezas, lutar contra injustiças... mas que diabo!
tem algo diante dos meus olhos, mas meu ego inchado de dor não permite que eu enxergue nada.
cada dia é um ciclo mágico, mas meu medo das incontroláveis trapaças da vida me aprisiona nos repetidos ontens.
sim, tudo foi ruim e trágico de novo e de novo, desde então... mas não porque tem que ser, e sim porque não fiz faxina, só espanei os móveis por cima.
e, desde minha primeira certeza de que não quero mais ser tão só, nunca mais me permiti a deliciosa  fonte de luz e mudança que sempre foi estar comigo.
a ansiedade e a certeza inundaram meus caminhos, e procurei me cercar de qualquer coisa, qualquer gente... até não ver nem escutar mas nada.
falta mergulho, talvez.

inês, a quem a vida mais uma vez poupou de um repentino e deslocado filho, porque aquilo que se alimenta de amor e se liberta ainda está por vir...

quinta-feira, 10 de abril de 2014

cinzas

eu pensei muito, sofri com meus pensamentos, quis parar de pensar, esquecer, viver, simplesmente, morrer simplesmente...
(no afã de que o veneno da desesperança me abandone como uma nuvem que passa, até mesmo a morte visitou minha cabeça algumas vezes, a morte sem coragem de quem entrega os pontos, desiste)
olhei lá pra baixo, bem longe, bem fundo, imaginando se tudo seria questão de segundos, se haveria tempo pro arrependimento ou apenas paz.

em seguida me assolavam aquele velho sentimento de que a vida é mesmo uma correria, um sonho, um susto, um sopro, e o medo de que seja verdade o fato de que vai acabar mesmo uma hora ou outra, como já foi acabando pra tantos queridos irmãos inesperadamente mortos.
não quero morrer, quero viver pra sempre, ainda que com emoções tão doloridas e o coração tão desamparado, mas preferencialmente com alguma paz entre meus dias e noites, alguma espécie de resignação interiorizada diante do que parece ser falta mas não é, e um encantamento modesto diante das pequenas-imensas liberdades e belezas que me tangenciam. ou me atravessam. ou inundam, ou simplesmente se sugerem...

me perturba ainda um certo encontro místico e múltiplo, que, de repente, me deu respostas pra perguntas que talvez nunca apareçam, e que me revirou internamente de um modo tão potente e ao mesmo tempo tão invisível, que acabei me fortalecendo enquanto me fragilizava. e, de repente, do encontro fizeram-se rupturas desconcertantes, respostas aparente desconexas pra questões que lá no fundo eu entendo, mas que não posso falar...
(aquela casa está lá, enquanto estou aqui precisando e sozinha, e pegar um ônibus e de repente retornar parece ser como se eu a encontrasse demolida, escombros de um maremoto, destroços de um lar pós-tufão, ruínas, poeira, cinzas... em sonhos muitas vezes a visito, ou habito, ou simplesmente procuro, mas zelador sempre me aparece de costas. tudo é igual, e ao mesmo tempo diferente, o que faz com que eu sempre me desperte com uma nostalgia doída, de alguém que visita uma vida passada)
a falta que eu sinto é a falta de um lar destruído pra sempre. lá não é meu lugar, eu sei por dentro. já saí de lá e espero que lá saia também de mim.

meu coração está coberto de pó. eu sei.
sei que preciso sacudir tudo, lavar, deitar coisas fora, deitar o próprio coração fora, posto que se regenerará, certamente, para que eu floresça novamente, absorva luz, viva...

mas me sinto traída por deuses, e por desconhecidos estranhos a quem eu chamava de mãe, de pai e de amor. sendo que tenho uma mãe e um pai de verdade, que não podem evitar meus sofrimentos, mas que nunca aceitariam que eu fosse usada por pessoas monstruosas e más, que nunca me trairiam, e que, infelizmente, não vão viver pra sempre também. serão meus doces pais enquanto o tempo for propício, e depois se transformarão em plena lembrança, imagem, saudade... em algo que a morte fará parecer uma falta brutal, mas que o tempo (o tempo rei, passado, presente e futuro desaguados) dissolverá ainda numa energia sem mistério.

(e, ao mesmo tempo, um cachorro e um gato me olham, sempre, enquanto estou à noite me esgueirando pelas ruas. santos me visitam em sonhos, seja incorporando na minha avó no meio de uma guerra, seja de costas, sempre de costas mas com cheiro de outro mundo, seja me mostrando vidas passadas, futuras, seja dançando, seja me dizendo não.)

coisas boas virão?
eu só quero dinheiro pra pagar minhas contas. e um amor que seja doce, ou que seja selvagemente fiel, ou que cozinhe, ou que seja pescador...
a morte virá. (ela vem a todo momento, não descansa nunca de nos ceifar cômodos, cheiros, vozes, respostas, alegrias, apostas, suspiros, sorrisos, força...)
e dela eu quero que venha um pouco mais tardia do que ameaça vir, que me deixe um tempo suficiente pra me resignar de alguma forma, mergulhar de olhos abertos no lago escuro dos sonhos, ou mergulhar de olhos fechados no mar cristalino da vida, ou dormir com uma criança no colo sob uma árvore que eu mesma tenha plantado, ou aprender, enfim, a só ser.

inês.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

sonho II

meninos
me encostam a ponta dos dedinhos encardidos de terra
sem que eu os veja.

logo risadas
e muitas crianças.
barriguinhas e mais dedinhos
línguas dentes
pés.
elas brincam com meus cabelos
(as meninas)
e as miudinhas, peladinhas,
trepam nos meus pés e pernas.

os adultos cantam com encantados
mais saúdealegria.

não é só sonho, é amanhã
(e cura).

inês.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

sonho I

numa ilha.
cais e pedras.
e havia o passar das horas. mil horas num único dia (ou mil dias numa única hora).
o verdeazul cristalino e o pôr-do-sol. era mercado. era mergulho com asas.
e havia avô, avó, primos de longe que nunca conheci.
donada eu dirigia desgovernadamente um carro antigo, pela noite. supondo seu mecanismo e com fé na trajetória. e muitas ruas, desconhecidas e luminosas. a praia longe.
um cachorro, que podia ser um gato, que podia ser um pássaro.
e minha quarta avó, ou o gato, ou o mergulhador, me disseram que eu sabia que nunca estaria sozinha. ou sempre estaria sozinha? segundo me diziam, é uma coisa que eu já sei, então não me importa o que disseram. disseram as duas coisas.
alguém me deu sua bênção, e me disse que a comida estava ótima.

outra inês.

domingo, 12 de janeiro de 2014

sobre uma visita

querida ana,

ocasiões como esta são muito especiais. é raro que possamos olharmo-nos as duas, e passar qualquer momento como este fitando este espelho cristalino e ao mesmo tempo desgastado e turvo que somos uma da outra.

estamos as duas diante de um deus impiedoso chamado tempo - esse doceamargo que alenta-nos pela manhã -, e estamos as duas cansadas de resistir a seus encantos divinos, sua potência pacificadora e ao mesmo tempo inquietante. e eu gostaria que não tivéssemos tanto medo de seus caprichos e nos rendêssemos enfim ao seu domínio, para quem sabe a sensação de soterramento se tornar a leveza que tanto buscamos em tudo.

eu sei que você era mais feliz quando não se importava com o coração das outras pessoas, e sei que o gosto dos seus olhares tem sido amargo, mas preciso lhe lembrar que felicidade não é tudo nessa vida. não adianta sair buscando por aí tão ansiosa.

mesmo que você se sinta tantas vezes um pouco menos que cada uma de todas as coisas do mundo, é importante lembrar que vivemos em mares de secura, em que o oásis profundo e farto em que nos alimentamos é o sozinho... esse sozinho que a senhorita conhece muito bem, mas escuta ainda muito pouco, e que é o silêncio e o grito do nascimento e da morte do mundo inteiro, o parto do passado, do presente e do futuro, o berço e cova onde descansa sua força.

minhas noites escritas à mão, seus tropeços bailados em vão, se esbarram nas histórias de rios e luares que escutamos nossa infância inteira, mas como se fôssemos eternas fugitivas de futuros já contados, como se não soubéssemos que tudo tem um fim, tudo morre, tudo se transforma, tudo se perde quer tentemos ou não preservar.
mas o que importam nomes perdidos, casos perdidos, laços perdidos, caminhos perdidos, trens perdidos? a verdade é que eu e você gostaríamos mesmo é de nos perder em outra pessoa, morrer em alguém que também morresse em nós, que conosco viajasse sem mapas pelos nossos próprios corpos, nossos desejos, nossos mundos, nossos silêncios e medos e fé.

mas não se encontra ninguém que nos queira de fato quando temos nossos sonhos à mostra: ninguém entra de corpo inteiro por portas escancaradas. apenas se espia e se sai... tem-se a impressão de que por ali tudo se escapa, como se não se escapasse por janelas discretas e soleiras mais doces... sobre essas partes de nós que permitimos que se percam entre tantas falhas por aí afora, são a grande contradição da vida: é se estendendo que se permitem os encontros, e há muito mais dentro de nós do que o que se vê através das aberturas, mas nem sempre o sagrado é invisível e silencioso, ele é bruto, cristalino, e muito dado a disfarces.
e não se encontra ninguém que nos queira por dentro quando não se sabe, por fé ou por lógica, que é da lama que nascem as borboletas - essas pétalas voadoras que nutrem a máquina do universo.
(o caos gera estrelas).

apreciemos com serenidade a lama e o caos que temos por dentro. cuidemos dos nossos corações, restabeleçamos nossa fé no oásis de nós mesmas. quem sabe devêssemos sentir um pouco menos as coisas, buscar um pouco menos de sentido no mundo, desejar menos que alguém queira de nós o cuidado que queremos de alguém, fechar um pouco nossas portas. não há mais sentido em conhecer tantas pessoas especiais só por uma superfície. haverá quem tropece em nossos tropeços por dentro, sem que fiquemos nos desgastando por aí afora.

acredito que este seja o começo de uma cura que talvez não tenha fim, pois isso seria o mesmo que não mais existir.

com amor,
inês.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

beiras sem praia

fantasia I

donada. fui atravessada por tantos rios - fluxos que me curaram dores - e alguns pedaços foram ficando docemente pra trás, emergindo, leves, do escuro, batendo asas amarelas e interminando-me como pessoa, à medida em que descíamos e subíamos os cursos da doçura tantas vezes silenciosa dos santos e poetas e quanta. foram travessias carregadas de nãosolidões.
ver é negócio perigoso, nãover é negócio perigoso. viver é negócio perigoso, e desaguei de olhos fechados em braços que iam me trazendo pra onde o mar é doce (o sertão está em toda parte), e a estrada é linda, a fadiga fecunda, o ser não basta, tudo é real, há bem mais sois restando entre estrelas, o amor não existe e as coisas não tem nomes. e eu me perdi.
eu rio, e há alguém que me encara.
pensei que não pudesse mais ser tão atravessada.
e agora há mar, e basta.


fantasia II

ele veio como sempre de longe, como sempre com cheiro de mar, de destino, e aceitei o louco oferecimento de me abancar. (aguagem bruta, traiçoeira- o rio não é cheio de baques, modos moles, de esfrio, e uns sussurros de desamparo? eu tinha o medo imediato - e tanta claridade do dia!) ele cheirou o por-do-sol da minha pele, e senti seus poros, o sal do seu corpo, e desmaiei um pouco por dentro, e nossas peles e cheiros explodiam com as maritacas em bando.
trocamos de pele e de cheiros, e eu quis gritar. (o silêncio não me incomoda: o silêncio não existe)
eu sei que ele vai embora, sempre pra longe, sempre pelo mar. eu fico explodida de cheiros e peles, gozando nãosó, até me perder mais um pouco. de novo, só que como sempre de outro jeito.


travessia III

tentei mergulhar numa água escura, até que meus pés tocaram o barro da outra margem - que poderia ter sido a terceira, mas não era.


inês
(para iza).

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