ouço um vento, aqui comigo. vento interno, violento, que foge pelos meus poros, pela minha boca, pelos meus olhos, e me carrega praquela distante paz diante do revolto encontro entre o mar e o céu, encontro azul entre o profundo e o infinito, o cristalino e o escondido, que me alenta e me transforma no grão de areia que sou. lá, minhas pretensões, meus juízos, minhas desilusões, se transformam em vozes miúdas, em impotentes dores surdas de quereres triviais: trago em mim um algo a mais, que sossega minha fuga inglória, que me traz de volta pra dentro, pra explodir em ondas de vento. e quem sabe ainda haja tempo pras ligeiras alegrias, pras certezas fugidias brincarem no meu ori. eu sei que estou aqui, mas minha mente está lá longe, buscando uma paz que se esconde nos mais doces manguezais. sou um rio que corre pro mar, uma estrela ensaiando um luar, mas caindo pra sempre num nada, pra compor tudo o mais que existe: eu sei, a existência é triste, mas a eternidade é linda, é como esta noite, que finda, numa explosão de pássaros-tons. e é pra isso que existe o samba, pra lembrar que é o tempo quem manda nos caminhos do nosso ser. a poesia é tudo o que resta - pra quem chora, sorri ou contesta - e a sábia cadência do mundo, a batida de cada momento, transformam e vida em verso, convertem desejos em vento, invertem todo o universo!
inês.
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
longe
cheia lua, lá no alto,
toma meu corpo de assalto
e me põe a caminhar
viajo, num mar de saudades
sem saber o quanto é tarde
pra buscar um porto, e ficar!
estou só, e no relento,
abraçada pelo vento
pelos beijos do luar
lua grande, a senhora
sabe bem o quanto demora
minha espera pelo mar
me rodeiam corpos estranhos
e um desejo sem tamanho
por um cheiro familiar
(aquele, de algas e sal
de um além tão colossal
de um alento libertador...)
lua cheia, estás comigo,
como o céu, que é meu amigo,
como as ondas, meu amor!
inês, que escoa.
toma meu corpo de assalto
e me põe a caminhar
viajo, num mar de saudades
sem saber o quanto é tarde
pra buscar um porto, e ficar!
estou só, e no relento,
abraçada pelo vento
pelos beijos do luar
lua grande, a senhora
sabe bem o quanto demora
minha espera pelo mar
me rodeiam corpos estranhos
e um desejo sem tamanho
por um cheiro familiar
(aquele, de algas e sal
de um além tão colossal
de um alento libertador...)
lua cheia, estás comigo,
como o céu, que é meu amigo,
como as ondas, meu amor!
inês, que escoa.
terça-feira, 10 de setembro de 2013
samba em cores
não mais que de repente
há força entre nós
sua estrela me ilumina
a noite desatina;
você só me traz paz.
minuto precioso,
um encontro neste mundo:
seu ser é um segundo
(a mais...)
tão longe brilham astros
tão longe brilham astros
tão raros nossos abraços
(iluminosos passos
com sua voz)
há força entre nós
(nascida em nossos avós):
sagrada brincadeira
(de estrelas da vida inteira)
descuido atencioso
que escapa, precioso
entre palavras e fé
poetas saberão
o que essas horas são
trocadas de repente
aproximando a gente
e muitos são os olhos
e tantas são as mãos
que guiam nossos sonhos
em oração!
sabemos nós o quê?
vivemos nós de quê?
(da força das sementes
em tudo o que há na gente:
de chuva, luz, e terra
querer!)
se dói não ter saudade,
na vida nunca é tarde
unir-se em homenagem
a ser, e só!
se o verde é um broto do preto
(segredo de ancestrais),
meu amarelo é ouro
é sangue dos mortais...
abraça-nos o branco
que entrega, que irradia
pra fora, a luz do dia,
pros outros, alegria,
pros mudos, poesia,
pros loucos, melodia...
e em nós não retém nada:
ilumina nossa estrada
(pra além dos quereres normais)
pra outros carnavais!
é sangue dos mortais...
abraça-nos o branco
que entrega, que irradia
pra fora, a luz do dia,
pros outros, alegria,
pros mudos, poesia,
pros loucos, melodia...
e em nós não retém nada:
ilumina nossa estrada
(pra além dos quereres normais)
pra outros carnavais!
beijos da inês.
quarta-feira, 4 de setembro de 2013
não volte
você disse que viria (e disse que queria), e então comecei a preparar meu melhor tempero. escolhi meu vestido imaginando como seria visto, tocado, talvez até tirado pelo senhor. limpei as janelas, isso no primeiro dia. mas você não veio, e eu me decepcionei, e comi sozinha todo o jantar.
no dia seguinte o mesmo... outro vestido, outro tempero... um sinal de desejo, e então escureceu e veio o vazio... não entendi o que havia se passado.
depois, por vários dias, a mesma espera, outros temperos, outros vestidos, outros discos, os cachorros latindo pra qualquer um que se aproximasse da porta, como se também esperançosos pelo seu retorno. comecei a entender, comecei a chorar. escrevi. perguntei se era abandono, mas o senhor disse que não, que era só seu jeito.
mas tudo, por melhor que seja, envelhece, resseca, murcha, foge.
era só dizer que não se dava bem com o tempero. era só dizer que não queria saber de vestido, de música, de conversa, de nada que eu tinha pra oferecer, a não ser aquela pequena parte do meu corpo da qual o senhor sentiu falta quando não mais pôde desfrutar.
eu senti que não merecia mais esperar pelo senhor, nem guardar meu carinho, minha atenção, meus cuidados, meu tempero, meu tempo. mas chorei ainda muito até entender que não havia nada de errado comigo, chorei às vezes com desespero, mas quase sempre com uma tristeza tão doída, que por dias as janelas sequer foram abertas, sequer coloquei vestido algum, e comi e bebi sem vontade, entre soluços e silêncio.
o senhor já está na idade de saber que pode destruir o coração de alguém com tanto descuidado. por favor, não volte.
inês.
no dia seguinte o mesmo... outro vestido, outro tempero... um sinal de desejo, e então escureceu e veio o vazio... não entendi o que havia se passado.
depois, por vários dias, a mesma espera, outros temperos, outros vestidos, outros discos, os cachorros latindo pra qualquer um que se aproximasse da porta, como se também esperançosos pelo seu retorno. comecei a entender, comecei a chorar. escrevi. perguntei se era abandono, mas o senhor disse que não, que era só seu jeito.
mas tudo, por melhor que seja, envelhece, resseca, murcha, foge.
era só dizer que não se dava bem com o tempero. era só dizer que não queria saber de vestido, de música, de conversa, de nada que eu tinha pra oferecer, a não ser aquela pequena parte do meu corpo da qual o senhor sentiu falta quando não mais pôde desfrutar.
eu senti que não merecia mais esperar pelo senhor, nem guardar meu carinho, minha atenção, meus cuidados, meu tempero, meu tempo. mas chorei ainda muito até entender que não havia nada de errado comigo, chorei às vezes com desespero, mas quase sempre com uma tristeza tão doída, que por dias as janelas sequer foram abertas, sequer coloquei vestido algum, e comi e bebi sem vontade, entre soluços e silêncio.
o senhor já está na idade de saber que pode destruir o coração de alguém com tanto descuidado. por favor, não volte.
inês.
la cúmbia
um amor antigo - tão velho, amor!
nós dois, naquela árvore (nós dois na rua da árvore, caminhando à noite pela cidade da árvore, tão quase-na-árvore que era como se estivéssemos no seu tronco, nos galhos, entre as folhas lá no alto)
o que nos terá acontecido, que pra tão longe fomos?
(é o curso mesmo do mundo, o tempo-rei-de-tudo, o infinito...)
(é você que pensa demais, inês, é você que sente demais!)
hoje, compreendo meu privilégio (afora o malbendito mel que não me serve mais) de caminhar pelas ruas de qualquer cidade, à qualquer hora, só... pois já partilhamos nossas regalias numa noite iluminada na cidade-das-pedras-reluzentes-e-da-árvore. teríamos imaginado nosso segredo naquela noite?
não por acaso fui conhecer a cúmbia tão longe do seu atento saber (saber trazido de tão longe, tão com-amor cultivado, preparado pra encontrar miudamente os tambores, recife, a nigéria, qualquer parte da amazônia): pra mais tarde descobrir com esse delicioso espanto que ainda estamos aqui, e que já ouvimos coisas tão parecidas de partes dispersas de uma mesma sagrada-força.
o que terá sido? afora sopros de vida, luzes brotadas do mais interno-sagrado-fêmeo, pássaros cantando, pássaros voando como um canto da nossa terra, bastava escutar o vento atravessando árvores ocas, o debaixo-do-barro-do-chão.
(eu, que confio no dono das ruas e da noite, e no dono dos meus caminhos como se deles todos fosse filha)
(você, que tem fé e vem de longe, que tem olhos com histórias, que anda só, como um dos nossos muitos gêmeos perdidos-encontrados nas noites-cidades do mundo)
sempre estivemos por aqui, partes de uma coisa só, quase poeira de estrelas (e de folhas, de pássaros, conchas, instrumentos, restos de seres, pérolas, começos, barro.)
inês, na noite de algumas despedidas.
nós dois, naquela árvore (nós dois na rua da árvore, caminhando à noite pela cidade da árvore, tão quase-na-árvore que era como se estivéssemos no seu tronco, nos galhos, entre as folhas lá no alto)
o que nos terá acontecido, que pra tão longe fomos?
(é o curso mesmo do mundo, o tempo-rei-de-tudo, o infinito...)
(é você que pensa demais, inês, é você que sente demais!)
hoje, compreendo meu privilégio (afora o malbendito mel que não me serve mais) de caminhar pelas ruas de qualquer cidade, à qualquer hora, só... pois já partilhamos nossas regalias numa noite iluminada na cidade-das-pedras-reluzentes-e-da-árvore. teríamos imaginado nosso segredo naquela noite?
não por acaso fui conhecer a cúmbia tão longe do seu atento saber (saber trazido de tão longe, tão com-amor cultivado, preparado pra encontrar miudamente os tambores, recife, a nigéria, qualquer parte da amazônia): pra mais tarde descobrir com esse delicioso espanto que ainda estamos aqui, e que já ouvimos coisas tão parecidas de partes dispersas de uma mesma sagrada-força.
o que terá sido? afora sopros de vida, luzes brotadas do mais interno-sagrado-fêmeo, pássaros cantando, pássaros voando como um canto da nossa terra, bastava escutar o vento atravessando árvores ocas, o debaixo-do-barro-do-chão.
(eu, que confio no dono das ruas e da noite, e no dono dos meus caminhos como se deles todos fosse filha)
(você, que tem fé e vem de longe, que tem olhos com histórias, que anda só, como um dos nossos muitos gêmeos perdidos-encontrados nas noites-cidades do mundo)
sempre estivemos por aqui, partes de uma coisa só, quase poeira de estrelas (e de folhas, de pássaros, conchas, instrumentos, restos de seres, pérolas, começos, barro.)
inês, na noite de algumas despedidas.
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