domingo, 22 de junho de 2014

sonho III: folhas

duas folhinhas pequenas (pros meus olhos). quais?
olhei pro meu pé de folha-da-costa, e tudo fez sentido. foi só colher as mais novinhas.
(só que não eram elas não. eram as vinca-de-gato que estavam do lado, agora eu sei)

fumei, a maconha. disse pra um irmão que tinha fumado, ia dizendo enquanto descia de um carro, e expliquei que não tinha me sentido mal.

meu pai... entre os arbustos... me disse que eu também precisaria "dessas duas aqui". olhei... eram como ramas de visgo, penduradas cada qual em seu pé, mas bem próximas uma da outra. apareciam como dois cachos de folhinhas pequenas, uma delas talvez com tonalidade lilás.
mas faltou-me a disciplina pra prestar atenção nas mensagens e recusar aquilo como um simples sonho louco. eu podia ter perguntado o nome delas, pelo menos. ou em que me serão úteis.
o pior: talvez eu tenha perguntado tudo, talvez meus protetores tenham me revelado os segredos que só ali me seriam revelados...
mas eu não prestei atenção. levei o sonho na brincadeira, como se sonhar fosse simplesmente um momento de repouso e de descuido, como se eu não estivesse ali diante daquilo que quando estou acordada é invisível, e em meu sono se insinua na medida em que mereço conhecer.
(quem sabe as reconhecerei quando estiver enfim desperta)

aproveitar mais essa vida, inês!

seguro-desespero

das coisas que se movem não tenho tanto medo. nem das coisas que se transformam.
tenho medo das coisas que me aprisionam, venham de mim ou venham de fora. é o que me angustia, é uma bola de neve espessa e lenta, viscosa, é a natureza de um mal que não me cabe mais. quero sair daqui, e talvez seja preciso deixar que tudo passe por mim, entender talvez com o corpo que tudo flui, tudo é haver, a vida passa e o que quer da gente é coragem.
estou tranquila, num certo sentido emocional, as frustrações amorosas, familiares, sociais, dando lugar a uma - ainda meio vacilante - paz, uma coisa tão resignada e ao mesmo tempo tão transbordante de desejo, alegria, vitalidade, levezas... só que nada disso anda sozinho, mesmo, e é por isso que tenho fumado tantos cigarros, e me recusado a enfrentar a ordem do dia sem que o medo de um amanhã tão próximo me assombre. mundo cão, também, é claro, mas o que fazer disso? sei o que é contemplar a vida com amor, mas não é pra voltar ao conforto de antes que atravessei esse caminho tão pesado de agora há pouco. preciso restabelecer alguma fé, e sobretudo alguma coragem, mesmo. enfim, é claro que os caminhos são infinitos, mas já me habita um desejo tranquilo e amoroso - como o ninar da minha mãe - de escolher um dos tantos nos quais pude escutar o bater do meu próprio coração e, enfim, segui-lo.
perdoei e pedi perdão a quem eu queria... e já deu tempo de reunir os esforços possíveis pra experimentar o novo. com muito mais cautela e muito mais amor que antes. talvez um pouco menos de paixão. talvez não.

inês.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

irmãos

uma melancolia me abraça logo de manhã, como se eu tivesse sonhado a noite toda com uma ausência, com todas as ausências que de repente me doem, e a saudade então parece querer tornar-se um fel.
aí eu desisto do dia, recolho-me entre cartas, nos buracos intermináveis e enganosos, leio meia poesia do pessoa, e não consigo fazer mais nada. como se ninguém nunca mais pudesse me amar como nos amamos, e como se a partir de agora viver fosse um eterno lamento pelo passar dos anos, pela distância daquela alegria explosiva que tanto compartilhamos.
mas eis que alguém me sopra no ouvido que a lua está linda, que a noite existe tão viva quanto antes, tão noite quanto longe, e que cada segundo é uma nova explosão deliciosa de futuro e de amor.
saio, como antes... a ver.
e a saudade e a ausência transformam-se de amargas em doces lembranças à medida que vou percorrendo aqueles lugares que antes habitamos juntos de mil formas. como estará o zé? não tenho notícias.
e... tão logo se dá o primeiro encontro que a noite me reserva, abre-se o mundo, e meu amor transborda. daqui pra ali... uma cerveja... acolá, alguns abraços... e eis-me numa festa linda, com gente linda, num lindo quintal ouvindo lindos poemas e lindas canções... tudo novo, como se a juventude dos trinta-quarenta-cinquenta anos artísticos-políticos me esmagasse, ou antes me abraçasse como irradiação poderosa e linda de amor, de beleza, de sonho, de vitalidade e consciência.
eis aqui, mundo, um bocado de coragem.
eis aqui, tempo, um pouco de amor e de fé.

eis aqui, inês, um punhado dos seus lindos, novos e velhos amigos, que vão aparecendo no quintal no transcorrer de uma festa repleta de amor e de luz. e, quem diria... samba.

inês, corajosa, porque entre irmãos.

domingo, 8 de junho de 2014

sem casa

fui lá de novo. banhar-me de luz. e dói pra caralho a saudade daqueles dias de risos explosivos, de olhares e danças provocativos, e da doçura ácida do som que se fazia ali. o lugar ainda está vivo, ainda é lindo, mas guarda com certo constrangimento a lembrança de tempos artisticamente tão gloriosos que só quem experimentou vai saber o que foi.
e assim... sempre tem aquela presença maliciosa entre os que ali voltam tentando reencontrar algo daquele ar intenso e precioso de outrora. talvez sintamos pena por não sermos mais quem éramos, pela cena toda ter esfriado, por estarmos em tempos mais ordenados, contidos... quem sabe.
eu mesma, com muito pesar, repeli o ar de desejo galante que me atingiu.
ah não... não quero mais. já não me falta coragem, mas falta energia, falta sobretudo fé.
sinto nestes novos tempos uma onda tão forte de desconsideração, descompromisso, superficialidade, desvalor, que inclusive o próprio amor me parece mais precioso ainda. (quem sabe?)
não era tão assim... porra... troca-troca não é a arte do encontro.
se for assim eu dou mais certo é sozinha, mesmo.

inês

sábado, 7 de junho de 2014

para isa

peguei hoje em você, pelo lado de fora, pequenina.
venha logo, venha em paz, que esse mundo é bem cão mas é lindo a fuder.
deus abençoe a sua chegada. que me assusta e me encanta como uma surpresa enorme e acertada.
oxum te traga, yemanjá te empurre, omulú te cuide, ossain te abençoe, oxumare te crie, oxóssi te faça.
oxalá te proteja, ogum te guie, oyá te fortaleça, nanã te nine, xangô te oriente.
exu te mova.
pode vir, te esperamos com amor.

inês (para isa)

voando e por fora

hoje falaram seu nome na mesa e olharam pra mim.
como podem eles saber do nosso amor que só se comunicou ao mundo num sonho que tive?
estiveram eles comigo quando esta noite agora voei num avião pelo lado de fora?
saberão que hoje pela manhã esperei ansiosa e fiel que você entrasse pela sala?
mas seu nome foi tão surpresa e foi tão doce. sorri por dentro.
sei lá pra onde estou indo, pra tão longe e nem sei por que tempo, e eis que você vem pra onde moro, se adapta a meu lugar enquanto nem estou por aqui.
eu nem sei se voltaria, mas agora... voltarei? pra ver-te, definitivamente olhando noutra direção? por que fazem isso comigo? devo sonhar contigo agora?
viajar, sonhando? voltar? terei volta? vôo, e talvez volte logo, pra cuidar do gato. vôo, e talvez me perca noutras solidões.
(a minha glória é essa: criar desumanidade, sem acompanhar ninguém)
mas que não brinquem comigo. que os santos me sejam um pouco fiéis...
pra que eu vá em paz... me esqueça que enfim você veio, que vai perguntar por mim tão logo eu tenha partido. pra que eu pense que nada saiu do normal. pra que eu durma e sonhe lá longe pensando que ninguém nunca disse seu nome olhando pra mim.
mundo injusto.
te quero.  mas deus sabe o que faz.

inês.


quinta-feira, 5 de junho de 2014

dos medos que geram amor. ou: dos mestres, com carinho. ou: obrigada, deus.

eu sei o que é ter um mestre, apesar de não saber ainda ser discípula como gostaria.
as inquietações carinhosas com que fui amamentada tornaram minha vida mais especial e linda já no primeiro instante no colégio em que, fugindo de uma surda autoridade institucional, intramuros, encontrei meu primeiro maestro, que sem grades, sem horários, notas, pagamentos, fez-me abrir em admiração a um mundo que então se ofertava, mas do qual eu só distinguia sobras. e, como um cristal magnético, atraiu minha fé, minha confiança e minha plena dedicação à sua honrosa presença. mas fosse apenas admiração, amor, por sua figura, o desencanto teria sido próximo. o que ele alimentava em mim era um amor pela música, aquela que eu tinha aqui dentro, mas sobretudo, aquela que ainda estava lá fora.
eu era bem jovem e já sabia o que me prendia ali: uma fonte de luz que não me dominava, não me assustava, não me subjugava, mas sim me preenchia, me alimentava, como se precisasse que eu crescesse para que ela mesma fosse maior.

foi ficando mais fácil reconhecer os mestres da minha vida, e lamento que não os tenha reconhecido todos, lamento que não tenha passado por experiências suficientes ao seu redor, mas percebo hoje, depois que alguns outros seres iluminados ampliaram meus vôos, que é mesmo propriedade dos mestres querer que você vá embora, que procure outros, que não esgote suas forças diante de sua luz. eles fazem você querer o mundo, e seu desejo se encoraja com suas orientações.

muitas vezes há uma certa dor nessa coisa de mandar você se afastar de certo modo, ir buscar luz adiante. pode ser sem querer, e envolve uma rejeição necessária, inconscientemente forjada pra que se rompam cordões. meus mestres nunca admitiram cordões, quando eu muitas vezes criei e me agarrei neles, e me parece que quando eles sem se dar conta, iam nutrindo suas amarras, eu mesma estava preparada pra cortar com violência os laços que nos limitariam. o desapego cortava correntes, e, ao mesmo tempo, os caminhos da vida sempre reequilibraram as coisas de modo que logo era possível estabelecer novas relações e trocas, confirmar a admiração, reforçar os cortes, desfrutar dos vôos.

bem... o primeiro deles era bem velho, falava como meu avô. me fez ver o mestre em meu avô, também, e me acompanhou por anos, até fazer com que eu quisesse outras experiências musicais-afetivas-pessoais. me chamava de deusa, e me fazia estudar como o diabo. dizia com a voz e a disciplina de um oficial aposentado: ¨feliz do mestre cujo aluno ultrapassa¨, e ¨errar é humano, mas quem erra demais é burro¨. dizia que uma das coisas mais importantes do mundo era o ¨brio¨ da pessoa, e eu ao mesmo tempo deliciosamente escutava que o mais importante era o ¨brilho¨, o que sempre fez o maior sentido, mesmo.

teve outra, que por apenas três ou quatro anos permitiu-me os mergulhos poéticos até então desencorajados pela família e pela escola. ela era terrivelmente mulher, e me amaciou um pouco, tendo em troca sorvido minha rebeldia ácida.

depois teve aquele... menino... e que por muitos anos foi um segundo pai, mais honesto com relação ao risco que é viver. era de quem eu sempre esperava que dissesse se estava louca ou se estava certa, e se isso podia ser bom ou ruim. me encorajou, cortou minhas frescuras, cortou minhas tranças. me transformou completamente, me guiou a tantos - e tão longe - encontros com outras grandiosas fontes de inspiração e crescimento, que desabrochei-me em flores. antes que eu lhe agradecesse, foi ter ele mesmo com novos guias, foi voar com pássaros, ficou encantado.

do nada então me vi diante de um mestre absoluto, controverso, misterioso, que veio de muito longe e me adotou por alguns anos e me premiou e protegeu com sua companhia fecunda, intensa, espiritual e absolutamente apaixonada.

a próxima cantou como uma sereia, de um modo tão irresistível que mergulhei pra nunca mais voltar. me alimentou e encorajou quase como minha própria mãe, deslocou meus sentidos e minhas crenças, e com isso perdi um mundo em que podia ser rainha pra ganhar alguns outros tantos em que eternamente serei andarilha. e, tanto permitiu que eu ousasse, tanto alimentou minha extrema rebeldia, que, por fim, rompemos.

depois ninguém mais me adotou. ninguém me levou pra casa, ninguém me preencheu de modo tão intenso que durasse aquela eternidade-até-a-ruptura. talvez isso nem nunca mais aconteça dessa forma, agora que minha jovialidade interessante deu lugar a uma visível crise de fim brusco de ciclo profissional em descompasso com uma vida afetiva em doce infância, os sonhos a nordeste, os talentos adestrados a oeste, as lembranças todas submersas, prontas a explodir como vulcão.

mas encontro tanta maestria nas pessoas que me inspiram, que me pergunto se não estou em pleno terremoto dispersivo no mundo das minhas afetividades. e quando penso, meu deus, é incrível demais pra ser verdade, mas como pode uma pessoa como eu ter-se encontrado, de repente, em tantas e tantas e tantas e tantos encontros ligeiros e intensos, com mestres tão transformadores que com uma conversa abriam meu coração e metiam dentro dele coragem e amor, e que com os olhos e poucas palavras fizeram minha vida inteira já ter valido a pena? aí, se eu for pensar em cada um num só dia, meu coração não resiste.

inês, escrevendo dissertação, com os instrumentos guardados debaixo da cama há 1 ano, após 15 de explorações sonoras, e desejando plenos vôos.

terça-feira, 3 de junho de 2014

sangue

só faltava mesmo que, enfim, descesse tudo, e agora já não falta nada. tem uns ciclos lindos rolando no meu corpo, e que se estendem às minhas histórias, aos eus que tenho, que sou, que hei. homem não sabe não.
acaba amor, começa amor, acaba amor, sai da casa, casa nova, casa outra, sem casa, mais amor e algum dinheiro, depois contas e mais contas, o vermelho, o medo, o susto ruim o susto bom, um cachorro...
e a terra girando dentro do meu corpo, cada parte se entendendo e se desentendendo entre si enquanto vivo, nascentes de luz e escuridão que me movimentam e me recolhem, tudo isso enquanto penso que penso pra existir e ser mulher.
eu me angustio, mas meu corpo parece que sabe de tudo.
agora o grande balão de remoimentos que eu enchia sem controle aqui dentro esvaziou, parece que choveu, me sinto uma terra revirada e úmida, fértil, farta de sementes, sais, restos, desejo, fé...
só que não voltei a ser o que eu era, acho que isso nunca mais. o mundo roda e caminha, e as coisas não voltam ao seu lugar. uma coisa de que eu gostava muito morreu, e libertou-me de um vício que não me deixava perceber que eu queria lá na frente, mas não sentia a delícia do eterno preparo.
tenho um certo tesão inédito em um pouco de sangue, algum arranhão, uma mordida, de repente tatuagem. já marquei, a primeira, e já a adoro, na minha pele.

inês.

domingo, 1 de junho de 2014

sustinho

eu já queria mesmo respirar a sua pele, deixar que entrasse em mim o cheiro do seu corpo, do seu cabelo, seu suor, suas pintas, seu cangote, ai que lindo é você, e que desajeito, que desconcerto, que atropelo meu afobamento tão pouco educado, a minha fala atravessada, minha conversa avacalhada, um palavrório exagerado, e que delícia nosso delicado desencaixe, esse desconhecer que meu desejo sorve, a sua barriga lisa escondida pela camisa, os seus pés compridos lá longe dos meus, o calor das cobertas o gelado do banho mal-secado, a sujeira do banco da frente do busão e da cadeira do buteco no vestido na sua cama, e essa pureza bruta e limpa da sua saliva, doçura em hálito de cerveja, ronquinho bêbado na minha orelha, e frios na barriga cuspidos em mim pelo seu riso forte, que delícia a manhã ensolarada em volta da sua casa em volta dos seus livros e das suas ideias lindas, que delícia de café e de pão com manteiga!
é quase um milagre, mas nem me pergunto se será que vai ter mais, eu aprendi de um jeito bem doído que não é isso o que importa quando a gente se encontra, e estou sentindo de um jeito gostoso que aprendi a coisa certa, ouvindo alguma palavra sua de repente durante o dia e tentando lembrar do cheiro que senti bem rapidinho mas que me deixou bem alegrinha, me satisfez enquanto houve. é isso, só, parece pouquinho e breve, mas inaugurou-me de novo as partes doces, e que bom, obrigada!

inês, que agora celebra o desejo e ri da própria espera.

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