quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

cartas


carta ao monstro zed

você sabe ler, zed?
seus olhos... são de verdade?
não foi a primeira vez, zed, que um monstro me usou. aliás, já fui antes usada por monstros, por homens, mulheres, instituições, e até mesmo pelas minhas próprias vaidades, meus medos, meus monstros.
mas de certa forma, sempre houve alguma espécie de perdão, de auto-perdão, essa luz cristalina que brota dentro das pessoas que tem órgãos.
desta vez, não houve ainda palavra na sua boca, nem na boca de ninguém que assistiu à sua monstruosidade. percebi que deus coloca palavras na minha boca, mas não consegue colocar na sua.
eu sinto até que muitas vezes esse deus pode ter querido que eu sofresse, pra renascer e descobrir meus próprios monstros e minhas próprias luzes.
mas você deve ser um monstro de outro mundo... de um mundo que não consigo mais acessar à gerações, onde talvez os deuses sejam mais cruéis e permitam que se use uma pessoa até não haver mais qualquer indício de luz. acredito que os monstros desse mundo sejam tão falsos, vazios, traiçoeiros, que a gente não enxerga a pedra escura e inerte que eles têm por dentro, a gente vê neles só um espelho, de aparência cristalina e luminosa, e acredita que está olhando quem sabe pro próprio deus, pra alguém igual a gente, pra alguma coisa de saúde, de amor, de verdade. mas acho que no seu mundo não existe verdade, zed.
e o que se expôs, em nosso triste encontro, talvez tenha sido a inverdade do meu próprio deus, do meu próprio mundo, a inverdade dos meus olhos, minhas fraquezas, meu vazio. ou talvez uma verdade dolorida dessas coisas todas, uma verdade que não consegui suportar, a verdade de que monstros como você sempre vão andar por aí, sugando quem quer que os encontre e se encante por suas mentiras.
você matou minha fé. você me matou.
eu te disse que você estava me matando, na esperança de que talvez você interrompesse o que estava fazendo, mas você fez ouvidos moucos, você me devorou até o final.
eu vi que você pagou de louco, zed, eu quis contar pra todo mundo.
teve quem também tenha visto, e inclusive me alertado, mas muitos não viram, igualmente devorados pelas suas mentiras, muitos me disseram “é assim que os monstros são”... e hoje já não sei onde estão essas pessoas, porque perdi o contato de todas, parei de vê-las, e elas pararam de me ver também.
a verdade, onde está? comigo, não. ela certamente anda por aí, e de vez em quando se encontra comigo, e eu desejei que alguma vez ela também se encontrasse contigo, mas hoje entendo que ela não adentra monstros do seu mundo, que talvez você tivesse que nascer de novo muitas vezes pra quem sabe ter olhos pra enxerga-la, ou ouvidos pra escuta-la. quem sabe um dia você possa mesmo dize-la, sê-la, mas pelo que percebo, esse dia talvez ainda esteja longe... ou talvez um dia desses... você se veja num outro mundo, ou encontre outro monstro, que te faça morrer e renascer muitas vezes de repente, e então seus olhos sejam refeitos de cristal, de água, de qualquer matéria viva, mais aberta e transparente que essa superfície inerte, fria, maldosa que você expõe quando abre as pálpebras.
eu sei que se você morrer e renascer muitas vezes, vai acabar nascendo com uma luz própria, porque isso é quase kardecista, budista, hinduísta, mas acredito que é assim que as coisas acontecem.
as verdades são muitas, mas todas são uma só, para monstros, deuses e pessoas, no meu mundo e no seu, agora e sempre.
é por isso que você não diz mais nada desde que sua mentira se revelou: porque não tem verdade pra dizer, e nem deus que diga por você.
quando me pergunto que tipo de monstro você é, percebo que encontrei o monstro mais perigoso pra um ser humano: o monstro da mentira e do desejo, o monstro que desarma nosso corpo, que expõe nossos olhos e coração, que me fez de repente querer tudo, e que aos poucos me tirou tudo. você é um monstro que conseguiu me fazer não querer mais nada, a não ser morrer e nascer de novo.
quero que renasça minha luz, zed. quero que o deus que me habita não espere nada do seu.
quero esquecer você pra sempre, e não esperar que você consiga abrir a boca e dizer alguma coisa que não seja mentira, abrir os olhos de verdade.
quero mais ainda que em mim brote a luz do perdão. quero perdoar a mim mesma, a você, esse monstro que me feriu por covardia. quero perdoar a deus.
quero a luz da liberdade.
por favor suma dos meus pesadelos, por favor vá embora pra quem sabe morrer e renascer num mundo menos monstruoso que o seu.

inês


carta a deus

querido deus, eu não sei rezar. já tentei tantas vezes, já acendi vela, já fumei maconha, já cortei a maconha, já obedeci, já meditei, já dancei com índios, já chorei cantando samba, já repeti palavras, já saudei o sol, as folhas, o vento, as águas, a montanha, tudo. mas não sei se alguém já me escutou de verdade. não sei se já obtive qualquer resposta, positiva ou negativa. não sei se estive apenas tentando conversar comigo mesma.
acho que me iludi ao sentir as ondas batendo, o vento, o fogo, o amor, os sons e o silêncio do mundo, e achar que estava entendendo tudo.
porque... o que havia dentro de mim secou, e já não sei como fazer pra que alguma parte brote de novo. há algo que nasça das cinzas? nem minha mãe Iracema me contou, ainda.
perdi meu amor, minha paz, minha coragem, perdi minha casa, meus irmãos – terei perdido todos? já terei tido algum?
porque isso está acontecendo justo comigo, que sempre me senti abençoada, viva? porque eu, meu pai? me abandonastes ?
estou triste, mas muito mais do que triste, estou morta.
eu suplico, preciso que alguma coisa nasça, aqui dentro.

(nem que seja só minha fé)

inês, morta.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

a deuses

viajo porque sofro, e, porque viajo, sofro.
viajo pra não esquecer
(e viajo pra não lembrar).
viajo em nuvens, cidades, países,
viajo em ondas.
viajo em pássaros, em pernas, tempeiros,
e a cada despedida carrego todas as outras despedidas:
as nervosas, as tristes, as desesperadas,
as desejosas, as pra-nunca-mais.
carrego a despedida dos parceiros do rio, correndo qual meninos
ao lado do ônibus
explodindo adeuses que alimentaram as janelas,
atravessaram os silêncios seguintes, as paisagens.
carrego a despedida dos índios, o choro daquelas mulheres,
as lágrimas da minha tia, os eu-te-amos engasgados,
a troca de bênçãos e colares, carrego todos comigo
(carrego agora este parto bruto, nesta manhã comum).
carrego, além de tudo, a falta
falta que sinto dos mares, das casas, das chapadas.
e um peso-doído de abraços, planos, sons-risadas (qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar).
não viajo sem bagagem.
viajar é carregar saudades e olhares, coisas do céu.
viajar é partir, é querer que o tempo corra.
viajar é sofrer o correr desabalado do tempo
(bons momentos, passem lentos).

- viajo, e sei que o tempo voa assim como eu. parto, e a vida revela-se rara. sofro, e desejo partir ainda mais -
porque viajar é (se)(re)partir, e partir é sofrer, é um tipo de explodir, um jeito de ser inteiro
- é sofrer encontros, que já são em si violentas sementes de ausência. a violência do tudo e do nada, de apenas ser.

inês, numa manhã de adeus na bahia.

classificados

procuro um homem que às vezes me cale.
que não tente bancar o esperto, e que, ao me abandonar, me avise.
procuro um homem (que coma minha comida, ou cozinhe comigo, ou me faça um drink, ou leia um poema, ou que conheça boas músicas).
procuro um homem que vá comigo à praia, que saiba o que é solidão, e que goste de plantas, ou de gatos, ou de quadros, ou montanhas, ou de poemas, de filmes, cidades, de histórias sobrenaturais.

procuro um homem que me procure, um homem que às vezes me escute.
e que me faça rir, ou que ria comigo, ou que ria de mim.

procuro um homem que me perdoe, e que peça meu perdão.

inês.

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