segunda-feira, 26 de novembro de 2012

parto

é um broto que me perfura violentamente a noite, e já não me sinto mais tão só.
como se nunca mais fosse possível me perder ou me encontrar, e como se todos os olhares possíveis fossem eternamente meus.
é meu útero que explode, um rebento viscoso, irritado, cansado de esperas, fêmeo, e só.
a falta amarga de um amor
(que não me sugue como se eu fosse um ídolo frágil,
que não aflore luminoso de um anulado vão escuro, 
que só me sugue 
e que já saiba se cuspir com algum pouco de cuidado)

dançam santos conosco, e eu no fim caminho sempre só

sem homens e seus quereres mesquinhos
só a lua, a força da caça, o descuido preciso do vento, o carinho dos fluidos femininos do mundo, o bater do meu coração
meus defeitos murchando sem eco
talvez
meus desencaixes todos tornando-se os rastros de uma entrega
uma suspensão
olhares noturnos
naturezas particulares e expostas, senhoras de si e do mundo, porque solitárias de homens, porque desajustadas, talvez.

não fosse a desilusão permanente, o contratempo teimoso da fé

não desabrochariam tantas flores, e as cigarras talvez cantassem seus últimos cantos de primavera de modo mais contido.

inês.

sábado, 10 de novembro de 2012

o cachorro uivando perdido no meio da neblina

neblina
na noite
filtro difusor de uma grande vitalidade estética da cidade, a imagem,
viva, semovente, povoada de mutabilidades devires tensões deslocamento
um jogo gigantesco, mais invisível que visível, morada de tantas nossas projeções, viagens, anseios, medos.
preciso sair e caminhar também na chuva no escuro, em meio a sabe-se-lá que tipo de ratos, feitiços, maldades...
bênçãos...
visões e olhares que escondo de deus que já me dou satisfeita por ter como minha vida inteira.
tá imbaçado...
mas a rua chama, suas concavidades vorazes, seus silêncios inesperados, seus vazios...
a rua, aberta, repleta de ímãs densos, irresistíveis como experiências alucinógenas-cinematográficas-geográficas-gráficas-místicas, suga a alma e aos poucos a carne, seca algumas coisas
inunda-nos de vazios e de universos

a neblina em qualquer selva
filtro difusor
máscara de ver menos e sentir mais.

inês

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