Entre as fotos de pessoas desaparecidas deste mês que estão nos ônibus da cidade está a foto de um moleque miudinho de 12 anos. E foto de gente desaparecida sempre dá aquele nó na garganta: a certeza de uma morte terrível e a esperança de uma fuga...
E esse moleque me chamou especial atenção porque vários passageiros comentaram que o conheciam - a professora, o vizinho, o colega...
Dizem que era tão fraquinho que "com força se quebrava o bracinho dele".
Dizem que morava com a avó... E que batia nela. Que ia a escola mas desrespeitava todos os professores. E ninguém do governo sabe o que é ser professor da rede pública e viver entre diferentes formas de violência, desrespeitado pelo próprio governo (com um salário 200 vezes menor que o de um parlamentar) e desrespeitado pelos alunos.
Dizem que o pai fora assassinado, e que desde então ele andava pelas ruas armado, afrontando a todos.
Gente assim não dura muito, e certamente o bandidos do bairro deram cabo dele. Não precisa nem dizer que essa história toda tem ligação com o tráfico de drogas.
Vejo a foto dele todo dia dentro do ônibus, e seu olhar de passarinho me acompanha quanto vou pra escola e quando volto pra casa, e eu tenho a certeza de que está morto, com o bracinho quebrado ou não, e que de certa forma toda a sua vidinha de 12 anos hoje seja para a avó a simples lembrança de um pesadelo.
E me pergunto como fazer pras pessoas perceberem logo quantas coisas estão erradas: a lei serve a quem tem o poder e o desejo de manter o status quo. Os legisladores, delegados, juízes, não têm a menor noção de como seu trabalho interfere diretamente na sociedade, e nem sei se compreendem a dimensão e o papel que exercem nessa teia burocrática do Estado. Inclusive acho que tudo é estruturado justamente contando-se com essa desarticulação de responsabilidades, numa coisa grandiosa cujas conexões ninguém consegue enxergar e controlar - e quase sempre quem teria mais condições tem menos interesse, que é o que acontece com a maioria das pessoas em condições econômicas e políticas favoráveis.
Nossa organização estatal quase ninguém sabe exatamente como funciona. Das nossas leis, a grande maioria da população não conhece nem uma ínfima parte, enquanto alguns poucos conseguem sempre maneja-las a seu favor. Mas todos estão submetidos igualmente a esse sistema, e não podem sequer alegar que desconhecem a lei. ("A luta pelo analfabetismo confunde-se, assim, com o fortalecimento do controle dos cidadãos pelo Poder. Pois é preciso que todos saibam ler para que este possa afirmar: ninguém deve alegar que desconhece a lei." Levi-Strauss, Tristes Trópicos, CIA das Letras). A que se presta o Direito mesmo? Justiça?
Inês, sentindo que não conseguirá não mudar os rumos deste blog.
Fonte do Pinheiro
Há 4 meses