Esses dias eu chorei. Não tinha chorado até então, em respeito ao nosso deboche diante das coisas humanas, que sempre cultivamos como se cumpre um acordo solene (quantas vezes não engoli em seco e procurei o seu olhar me encorajando a buscar a alegria e ignorar esta miserável condição humana!). Mas tenho certeza de que a senhorita também fraquejou algumas vezes escondido, principalmente agora, tão perto do fim e tão longe daquele tempo de delicadezas em que atrelamos nossas vidas uma à outra, num pacto desesperado e silencioso.
Eu chorei de raiva.
(Chorei de pena por saber que nunca mais vamos fuzilar uma Saint Honoré, nem fazer planos de fugir juntas pra França e ir pedindo carona até a Turquia, nem viajar sem destino como precisávamos fazer de vez em quando, nem ver, juntas, tanta gente impressionante sendo engolida pelo mundo.)
Tenho me esforçado pra honrar cada cachoeira que encontramos, cada canto em que dormimos (como a casa da dona Marta, onde comi 16 pastéis... Ou o chão do bar em Rio das Ostras, onde comemos 10 reais de batatinhas a 20 centavos), cada porre inesquecível e que hoje não tenho como dividir.
É esta a dor de se ser só: o mundo e a vida desfilam cristais multicoloridos diante dos nossos olhos a cada viagem, e cada beleza que absorvemos é terrivelmente nossa, e de mais ninguém. (A dor da arte é como eu imagino que seja a dor de um parto.)
Chorei de tristeza porque essa vida é uma merda, vejo muitas pessoas interessantes a cada esquina, mas continuo querendo ficar sozinha.
Chorei porque ninguém tem disposição de caminhar um dia inteiro atrás de uma praia perfeita, comendo pão de queijo de de manhã e tomando cerveja quente.
(Chorei porque esses dias beijei um dos alguns meninos que nós duas pegamos numa quermesse dessas, e não teve a menor graça pra mim.)
Ontem eu esta usando sua camisa preta que ficou no meu armário.
Queria aproveitar esta carta pra dizer que nada nunca me comoveu tanto quanto o fato de a sua mãe ter me dado a chave da sua casa pra eu capotar na sua cama quando estivesse perdida no centro da cidade.
Outro dia o guardador de carros comentou com minha mãe que eu morava no seu prédio, que meu pai tinha morrido, que minha irmã era bailarina, e que eu era cantora de ópera. Dói quando ainda confundem nossos nomes.
Nunca mais eu passei na frente da portaria do seu prédio.
Nunca mais eu vi sua mãe.
E, hoje, nesta noite de silêncio e saudade, eu sinto a terrível certeza de que o tempo não volta.
(Nunca mais voltei à roda de samba)
Esta carta não é pra uma pessoa morta.
É pra uma pessoa que foi engolida pelo mundo, como eu sempre quis ser e agora não sei se continuo querendo.
Inês
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Antes de mais nada queria chamar tua atenção para a ironia de se perceber como a vida debocha de nosso comportamento. Debochamos das coisas humanas e nos esquecemos que somos humanos. Principalmente quando rompemos um pacto feito num momento em que julgavamos que ele seria eterno. O mundo, finalmente, acaba por engolir a todos. De um jeito ou de outro. A nós e as pessoas impressionantes. No mais, é louvar este grande amor, que durou o tempo exato para ser inesquecível e que, como todo grande amor, deixou o mundo um pouco mais chato do que é normalmente. Deixou um bocado de marcas e lembretes que atormentam a cada passo. Melhor do que passar pela vida e nada sentir. Como se você só tomasse água...
ResponderExcluirgostei da sua forma de escrever...tem uma caracteristica que eu adoro nos escritores: a autenticidade! escreve o que realmente deve ser escrito. Gostei. Já vou linkar vc no meu blog...pra não te perder
ResponderExcluirbeijos
Inês, quem assim diz palavras não o faz a defuntos nem nunca há-de morrer. A identidade do que escreves é tão simples que é humana e em simultâneo imortal, há o perdurar a quem louvas nos minimos detalhes (e eu parei em cada um, senti cada cheiro, cada som), há a tua impressão digital em cada pontuação.
ResponderExcluirInês Grande. Belo, muito belo.
Eu continuo chorando aqui...
ResponderExcluirBeijos e borboleteios Inês
Excelente texto... como gostei de conhecer este teu espaço.
ResponderExcluirCom amizade
Luis
De uns tempos pra cá tenho lido muitos textos e cada dia conhecendo mais pessoas que sabem realmente nos prender fixamente em palavras que as vezes dizem tudo.
ResponderExcluirMuito bommm.. vc me prendeu aqui rs...
Parabéns pelos textos!
Já add nos meus favoritos!
Bjoss
O seu texto tem o perfume
ResponderExcluirda autenticidade
e isso é muito criativo
Inêsw minha querida eu tb estou apredendo a mexer nesta blog e so não aprendi ainda fazer selo, fizeram pra mim rsss, mas o seu espaço pra quem esta aprendendo esta lindo, e as postagem adoraveis. Bela mensagem. Lindo domingo e uma semana iluminada como seu espaço. bjs
ResponderExcluirOPááá.. agora n vamos nos perder maisss rss
ResponderExcluir;)
Mas vamos atualizarrrr aqui mocinha?
rss
Bjoss..
Ótima semana!